É #FAKE que estudo feito em 2005 comprova eficácia da cloroquina contra a Covid-19

RIO - Circula nas redes sociais que desde 2005 já se sabe que a cloroquina cura a Covid-19. É #FAKE.

Clique aqui para acessar a matéria na íntegra e visualizar este conteúdo.

A informação falsa se baseia em um trabalho de pesquisadores de Atlanta, nos Estados Unidos, e de Montreal, no Canadá, divulgado em 2005 no "Journal of Virology", uma publicação especializada. A pesquisa concluiu que a cloroquina tinha ação contra o Sars-CoV, o vírus causador da Síndrome Respiratória Aguda, identificado em 2002. Trata-se de um coronavírus, mas não o mesmo que provoca a Covid-19 – tanto que eles ganharam nomenclaturas diferentes.

Ainda assim, a eficácia da cloroquina foi atestada pelos cientistas só em laboratório, numa fase pré-clínica, portanto não em humanos. Para ser considerado seguro e eficiente, e aprovado para utilização pela população, um remédio deve passar por outras fases.

A cloroquina, medicamento antigo usado para quadros de malária e outras doenças conhecidas bem antes da Covid-19, já se mostrou ineficaz contra o novo coronavírus, lembram especialistas entrevistados pela CBN.

O texto que circula diz: “Todos os virologistas já sabiam. Este artigo saiu no Jornal de Virologia de 2005! Cloroquina previne e cura há mais de 15 anos”. Só que o trabalho relata o seguinte: “A cloroquina tem fortes efeitos antivirais na infecção por Sars-CoV de células de primatas. Esses efeitos inibitórios são observados quando as células são tratadas com o fármaco antes ou depois da exposição ao vírus, sugerindo vantagem profilática e terapêutica”. Ou seja, são células de macaco, cultivadas em laboratórios.

Na conclusão, os pesquisadores deixam claro que “a cloroquina é eficaz na prevenção da propagação do Sars-CoV em cultura de células”, ou seja, ‘in vitro’. O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que é comum na ciência que resultados preliminares promissores não sejam corroborados por fases seguintes de testes.

“Não são raros os estudos ‘in vitro’, em laboratório, em células cultivadas, sejam de animais ou de humanos, em que a gente vê efeito de uma medicação e que, na hora da prática, são decepcionantes”, explica.

“No ser vivo, existem muitos fatores que influenciam na ação de um medicamento ou vacina. As enzimas, os anticorpos, as proteínas e as concentrações de outras substâncias podem atuar de maneira negativa ou positiva. ‘In vivo’ não necessariamente a gente comprova o que viu ‘in vitro’. Isso é um fato comum na ciência”, descreve.

Embora a cloroquina tenha sido alardeada como medicamento adequado para a Covid-19 – inclusive, por pressão do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde adotou um protocolo de tratamento –, seu efeito não se comprovou nos estudos mundo afora. O risco para a saúde do paciente, aliás, é aumentado, por conta de efeitos colaterais cardíacos. “A cloroquina, em laboratório, pode ter inibido a multiplicação do vírus, mas em humanos nunca se demonstrou benefício algum para a Covid-19”, lembra Renato Kfouri.

Não é a primeira informação falsa que circula afirmando que o Sars-CoV e o Sars-CoV-2 são o mesmo vírus. Como o nome dado pelos cientistas indica, são coronavírus “aparentados”, mas diferentes, apesar de ambos terem surgido na China, se propagarem de pessoa para pessoa da mesma forma (pelas gotículas que os carregam) e causarem infecções respiratórias, com sintomas parecidos com os da gripe.

O primeiro, que provocou uma epidemia entre 2002 e 2003, não se espalhou para além da Ásia, como acontece com o atual, que já matou cerca de 800 mil pessoas no mundo todo – mil vezes mais do que o Sars-CoV.

Segundo Alberto Chebabo, diretor-médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, a pandemia de 2002-2003 se extinguiu rapidamente, e não houve tempo para aprofundar as pesquisas de medicamentos.

“O que foi feito com o Sars foi o passo inicial dos estudos para a cloroquina na Covid-19. Apenas uma pesquisa em células mostrava atividade contra o vírus. Mas não foi realizado estudo ‘in vivo’, randomizado, duplo cego, como se deve, porque a doença acabou, e o vírus desapareceu”, esclarece.

“A partir do aparecimento do Sars-CoV-2, os estudos foram retomados, utilizando a informação já existente. Por isso, toda aquela esperança na cloroquina no início da pandemia. Só que isso acabou não se confirmando quando os estudos ‘in vivo’ foram finalizados. Eles mostraram que a droga não mudou o curso da doença, em nenhuma fase”, adverte Chebabo.

O médico reforça que acontece com frequência estudos em cultura de células, que representam o primeiro passo para se saber se uma droga funciona contra determinado agente, não darem o resultado que se espera nas etapas seguintes.

“É preciso que seja comprovada a capacidade de agir ‘in vivo’, levando-se em consideração dose, concentração plasmática, toxicidade e as interações da droga com as células no corpo humano. A maior parte das drogas falha nesta fase”, afirma Chebabo.

O virologista Rômulo Neris, doutorando pela UFRJ, ressalta que, apesar de muito similares, esses dois vírus Sars-CoV possuem diferenças significativas de estrutura. “Isso pode fazer com que drogas não interajam com a mesma eficiência sobre um ou outro”, diz.

Neris explica como se dão essas investigações: “A primeira etapa na pesquisa de qualquer tratamento é demonstrar os mecanismos que uma droga pode usar pra controlar uma infecção. Por isso, se utilizam sistemas bem simples para estudar o efeito do vírus: células infectadas em laboratório. Depois disso, elas devem ser testadas em humanos quanto à evidência e eficácia. Com isso, muitas drogas que possuem efeito contra infecções em células não chegam a se tornar um tratamento eficiente em humanos”.

“Vários fatores podem levar a isso: a droga não é distribuída de maneira adequada na região do corpo que precisa alcançar; a droga pode ser tóxica em humanos na quantidade em que demonstra efeito em células; a interação do vírus com os tecidos que ele infecta pode causar resistência ao possível medicamento”, continua.

No estudo em questão, de 2005, ele esclarece: “As células tratadas com cloroquina são expostas a uma concentração de 10 micromolar para que haja proteção total ao vírus. Análises bioquímicas mostram que mesmo em indivíduos que estejam tomando quantidades elevadas de cloroquina, a concentração no sangue da droga não chega a 4 micromolar. Outros estudos apontam que indivíduos cuja concentração no sangue de cloroquina seja superior a 20 micromolar entram em risco significativo de vida”.

Neris relembra que a cloroquina já foi descrita como capaz de inibir a replicação de ebola, por exemplo, em células em laboratório. Quando se testou animais infectados, entretanto, ela não funcionou. “Testar medicamentos que já existem para outras doenças é uma prática comum, chamada de reposicionamento de fármaco. Isso acontece com a Covid-19. Como essas drogas já foram aprovadas, já se tem dados como dose segura, concentrações de uso, entre outros”. Isso não significa, porém, uma replicação da eficácia.

Enregistrer un commentaire

0 Commentaires