ROMA — A Itália adotou na madrugada desta quarta-feira (noite de terça-feira no Brasil) um ambicioso plano de cerca de 223 bilhões de euros para reativar a economia, duramente atingida pela pandemia do coronavírus, embora a coalizão no poder ameace explodir devido a discrepâncias no uso de fundos europeus.
“O Conselho de Ministros aprovou o #RecoveryPlan, o maior plano de investimento feito pela Itália”, anunciou o ministro da Economia, Roberto Gualtieri, em sua conta no Twitter.
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O plano, que ainda precisa passar pelo Parlamento, pode, porém, significar o fim da aliança governamental formada pelo Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, o Itália Viva, uma dissidência do PD, e pelo Movimento 5 Estrelas, antissistema.
O presidente do Itália Viva e ex-primeiro-ministro Matteo Renzi prometeu não bloquear a aprovação do plano para não atrasar a chegada dos fundos europeus, parte do pacote de recuperação pós-pandemia aprovado pela União Europeia no ano passado. Mas ele impôs condições ao seu conteúdo, que considera insatisfatório, e ameaça retirar os dois ministros de seu partido do governo.
— Tomaremos uma decisão amanhã de manhã [quarta-feira] e a anunciaremos com total liberdade numa entrevista coletiva [convocada para as 13h, horário de Brasília] — disse Renzi ao canal de TV RAI3 na noite de terça.
As duas ministras do Itália Viva, Teresa Bellanova (Agricultura) e Elena Bonetti (Família), se abstiveram de votar o plano de reativação.
Bem avaliado na primeira metade do ano passado, sobretudo por seu desempenho diante da crise do coronavírus, o governo do primeiro-ministro Giuseppe Conte há mais de um mês está mergulhado em uma crise governamental que parece não ter fim, enfrentando contestações e fogo amigo enquanto tenta colocar em prática o plano de recuperação para sair da crise econômica causada pela pandemia.
A primeira rusga aconteceu com o Movimento 5 Estrelas, um dos sócios do governo, contrário a uma medida econômica proposta pela UE para financiar a reconstrução da área da saúde. Resolvido o impasse, criou-se uma nova e estridente rixa com Matteo Renzi, ex-premier que deixou no ano passado o PD para criar o seu Itália Viva, que não conta nem com 10% das cadeiras do Parlamento, mas é essencial para sustentar a coalizão.
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Renzi alega que o plano de Conte para uso dos fundos da UE, estimados em 206 bilhões de euros para os próximos dois anos, é demasiadamente centralizado nas mãos do primeiro-ministro (sem partido), deixando as siglas da coalizão de fora das decisões.
A situação é tão frágil que obrigou o presidente da República a intervir. Sergio Mattarella falou no fim de semana com Renzi para pedir-lhe que os dois ministros de seu partido não renunciassem, ameaça que vinha sendo feita não só pelo ex-premier até a noite de segunda-feira, como pelas próprias titulares das pastas da Agricultura e Família.
Mattarella também pediu que o Executivo resolva primeiro a questão dos fundos europeus e da lei orçamentária e que ponha fim à crise. A Itália pré-alocou os 206 bilhões de euros e seria uma catástrofe se a proposta de distribuição não chegasse a Bruxelas em tempo hábil, disseram fontes no Palácio do Quirinal, sede do governo italiano.
Sem o apoio dos 18 senadores do Itália Viva, Conte perderia a maioria parlamentar e isso poderia desencadear vários cenários: uma remodelação da coalizão, um terceiro governo do premier, uma coalizão semelhante com um novo primeiro-ministro, uma aliança multipartidária liderada por uma figura como o ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi ou eleições antecipadas.
O PD, a segunda maior força na coalizão, alertou que uma nova votação seria um desastre.
— Seria um erro político grave que penalizaria a Itália, um beco sem saída — disse o líder do partido, Nicola Zingaretti, à TV Sky TG24.
Uma nova eleição não interessa à maioria dos atuais parlamentares porque um referendo em setembro do ano passado estabeleceu uma redução de um terço das cadeiras da Câmara e do Senado a partir da próxima legislatura. Com um novo pleito, muitos perderiam seus mandatos.
Antes da reunião de gabinete, Renzi atacou os críticos que o acusam de arriscar irresponsavelmente uma turbulência política enquanto o país luta contra o ressurgimento do coronavírus e uma recessão. O ex-premier escreveu em seu boletim eletrônico que “não existe ato irresponsável, o que estamos fazendo chama-se POLÍTICA: estudar documentos, fazer propostas, dar ideias”.
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