JERUSALÉM — Os militares israelenses anunciaram, de maneira abrupta na madrugada de sexta-feira (noite de quinta-feira pelo horário de Brasília), que as forças terrestres tinham começado um “ataque contra a Faixa de Gaza”, dizendo isso no Twitter, mensagens de texto a jornalistas e através de um porta-voz em inglês. Organizações internacionais de imprensa, incluindo o New York Times, alertaram imediatamente seus leitores de que a incursão em Gaza estava em andamento, uma grande escalada no conflito.
Em questão de horas, os relatos foram corrigidos: nenhuma invasão ocorreu. Ao invés disso, forças terrestres abriram fogo contra alvos em Gaza a partir de posições em solo israelense, enquanto jatos e drones continuavam a bombardear por ar. Um porta-voz militar assumiu a responsabilidade, culpando a baixa visibilidade na área.
Mas na manhã de sexta, vários veículos israelenses reportaram que o anúncio incorreto não foi um acidente, mas parte de uma tática elaborada. O objetivo, segundo a imprensa local, era enganar o Hamas para que pensassem que uma invasão estava em andamento e que respondessem expondo um grande número de combatentes para o que estava sendo chamado de ataque devastador de Israel.
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O porta-voz em língua inglesa, tenente-coronel Jonathan Conricus, insistiu que o anúncio falso foi um erro seu, mas um erro honesto, disse a correspondentes estrangeiros em uma tensa teleconferência na sexta-feira, onde afirmou ter compreendido mal a informação do front e a liberou sem a verificação necessária.
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Mas nos sites em hebraico, os militares estavam sendo elogiados por terem enganado os combatentes do Hamas, que entraram em uma rede de túneis no norte de Gaza, alvo de uma série de ataques conduzidos por 160 jatos israelenses na madrugada de sexta.
— Foi assim que os túneis se tornaram armadilhas mortais para os terroristas em Gaza — dizia um repórter do telejornal no Canal 12, que chamou a desinformação a jornalistas estrangeiros de “esquema planejado”. A imprensa citou fontes militares apontando que o plano funcionou. Isso não pode ser verificado de forma independente.
Desinformação
A possibilidade dos militares usarem a imprensa internacional para gerar uma contagem maior de corpos em Gaza levou a questões mais incisivas ao coronel Conricus na teleconferência. Autoridades israelenses pediram que o conteúdo da ligação não fosse publicado, mas um repórter do New York Times que não participou dela conseguiu uma gravação de um colega de outra empresa de comunicação.
Funcionários do New York Times, Washington Post, Wall Street Journal, Rádio Pública Nacional (NPR) e AFP, todos informados de maneira errônea sobre uma invasão terrestre na sexta-feira, o encheram de perguntas sobre se foram transformados em ferramentas dos militares, sobre os motivos da demora para a retificação e se eles poderiam confiar nas declarações dos militares.
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Conricus, um oficial veterano e porta-voz com reputação pela precisão sobre o que sabe e o que não sabe, disse que “não houve tentativa de enganar alguém, ou direcionar os jornalistas a que escrevessem sobre algo que não era verdade”, completando que podia “entender que poderia parecer diferente disso”, e que era “embaraçoso”.
O militar, que deve se aposentar em junho, também reconheceu que as Forças Armadas tentaram enganar os combatentes em Gaza, através de táticas como a movimentação de um grande número de tanques e veículos blindados pela fronteira, como se uma invasão estivesse próxima.
O objetivo, disse, era induzir as equipes antitanque do Hamas a saírem de seus esconderijos e atirar nas forças israelenses, permitindo que suas posições fossem descobertas e destruídas — e para fazer com que outros combatente entrassem na rede de túneis, as quais os generais israelenses se viam capazes de destruir.
— Ninguém aqui nesta chamada era o alvo da mensagem — disse Conricus. — O alvo eram os terroristas mortos que agora estão dentro dos túneis. O que as Forças Armadas queriam criar era uma situação em que fossem para os túneis para que os atacássemos.
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Mas isso levou a críticas de vários correspondentes, em especial das organizações que possuem profissionais em Gaza, dizendo que isso os colocava em grande risco. O coronel não quis falar com o New York Times.
Em entrevista, Daniel Estrin, da NPR, se disse frustrado.
— Se eles nos usaram, é inaceitável. Se não usaram, qual é a história, e por que a imprensa israelense reportou que fomos enganados — declarou.
Duas horas
Por conta de seu papel essencial de defender as ações militares publicamente, o escritório do porta-voz é um posto disputado e visto como trampolim para uma carreira política. O órgão já se envolveu em táticas semelhantes no passado, incluindo em 2019, quando uma falsa retirada médica foi montada, incluindo com soldados feridos e uma visita ao hospital, para convencer a imprensa libanesa de que um ataque com mísseis do Hezbollah havia causado vítimas israelenses.
O porta-voz esperou por duas horas, o bastante para que combatentes do Hezbollah declararem vitória e voltarem às suas posições, até que anunciasse que nenhum militar foi ferido. Mas para Amor Harel, analista militar do Haaretz, o envolvimento do escritório com esse padrão de enganar jornalistas pode ser um fato alarmante.
— É perigoso para jornalistas também. O Exército israelense pode estar esquecendo que jornalistas estão dos dois lados da cerca, e pode ser perigoso se forem vistos como suspeitos de serem ferramentas para operações psicológicas de Israel — opinou.
Desinformação
Ao longo da semana, o conflito inspirou uma onda de desinformação nas redes sociais. Acusações falsas que estão sendo espalhadas pelo mundo, muitas vezes com fotos alteradas ou informações distorcidas, ou boatos sobre movimentações de tropas ou ataques iminentes de palestinos contra áreas residenciais israelenses.
Especialistas em desinformação dizem que, neste ambiente, o efeito de informações falsas, sejam intencionais ou acidentais, é potencialmente mortal, agravando as tensões entre palestinos e israelenses em uma hora crítica.
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Para aumentar a confusão em torno da história de Gaza, um novo relato do Canal 10, na sexta, afirmou que uma nova unidade responsável por esse tipo de estratégia de desinformação foi criada no Exército, e que foi ativada para fazer com que o Hamas pensasse que uma invasão estava em andamento.
O anúncio inicial sobre a ofensiva foi vago: “tropas aéreas e terrestres das Forças Armadas estão no momento fazendo ataques na Faixa de Gaza”. A ambiguidade do “na Faixa de Gaza” não estava na versão em hebraico da declaração, emitida poucos minutos antes. Mas quando os jornalistas ocidentais foram confirmar a notícia com o porta-voz, ele foi direto ao dizer que as tropas estavam em Gaza.
Na teleconferência de sexta-feira, o coronel Conricus tentou amenizar o estrago, dizendo que a discrepância era de “poucos metros, não era uma grande diferença”. Mas a disparidade entre os relatos em inglês e hebraico provocaram um frenesi nas redações para esclarecer a situação no front.
Na madrugada de sexta-feira, Roy Sharon, correspondente militar do Kann News, deu respostas claras:
“Isso não é uma operação por terra. Repito: não há uma invasão terrestre à Faixa de Gaza. Não entendo esse briefing estranho”, escreveu. A essa altura, a operação militar já havia terminado.
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