Focadas no conceito de bem-estar sexual, marcas nacionais ganham espaço com produtos sustentáveis

Está em curso uma revolução em prol do autocuidado, do autoconhecimento e do prazer. Velho conhecido do Hemisfério Norte, o conceito de sexual wellness ganha sotaque nacional com o surgimento de marcas (a sua maioria liderada por mulheres), que desenvolvem lubrificantes veganos a dildos de cristal. Criados pelas empresas Lubs, Nuaá, Mitra, Feel e Pantynova, os produtos que estão dando o que falar têm quatro pilares em comum: preocupação com a sustentabilidade, investimento em ingredientes naturais, identidade visual atraente e o protagonismo feminino num terreno, historicamente, dominado por homens.

A tendência — com representantes lá fora como a atriz Gwyneth Paltrow, que, por meio da plataforma de lifestyle Goop, comercializa velas com aroma de vagina e vibradores ecológicos — ganhou impulso no Brasil durante a quarentena. Ginecologista e obstetra, Rodrigo Ferrarese observa o movimento com bons olhos: “Essas marcas proporcionam maior autoconhecimento e liberdade corporal às mulheres. É possível perceber também a associação dos produtos a terapias alternativas, como cristalterapia e aromaterapia”.

No mercado há cinco meses, a Lubs criada por Chiara Sandri é um exemplo nítido dessa evolução. Formada em Administração, ela decidiu apostar nesse nicho depois de uma temporada nos Estados Unidos. “Morei um ano em Nova York. Ao regressar ao Brasil, percebi que grande parte desses produtos era de baixa qualidade, quase sempre sintéticos”, conta. Em outubro de 2020, em plena pandemia, Chiara lançou a Lubs, que tem lubrificantes veganos e cruelty free (neutro, de baunilha e até de jambu) como carros-chefe. “Incluímos na fórmula ingredientes de skincare, como D-pantenol”, destaca. Além do cuidado na composição, todo posicionamento da marca aponta uma nova direção. “A gente traz a sexualidade de forma natural, queremos desmistificar o tema. A Lubs é 100% sem gênero e nossas campanhas contemplam a diversidade ”, diz a empresária. Ela ainda ressalta a importância de os géis serem vendidos on-line, longe de sex shops, em suas palavras, “um ambiente machista, focado no prazer masculino.”

No fim de março, animada com a aceitação dos lubrificantes, a Lubs avançou mais uma casinha ao lançar um shot matinal batizado de Magic Potion. “É à base de cacau em pó orgânico e leva também farinha de maca peruana. Regulariza os hormônios e aumenta a libido”, explica Chiara. Ela frisa que o produto não é remédio nem milagroso mas, sim, um “suplemento sexual”.

Mesmo tempo de vida da Lubs tem a Feel, comandada pela designer Marina Ratton. Sempre atenta à inovação, ela teve, em 2018, numa viagem a Califórnia, o primeiro contato com as femtechsstartups, geralmente, lideradas por mulheres que desenvolvem soluções para demandas relacionadas ao bem-estar feminino — e com as sextechs, que trabalham a sexualidade de maneirA ampla e inclusiva. Marina resolveu empreender no setor e estava com tudo pronto no fim de 2019. Mas a pandemia fez com que ela pisasse no freio. Em outubro de 2020, lançou o e-commerce e os primeiros produtos: um lubrificante à base de aloe vera, 100% natural, e o blend de óleo de coco com tea tree. “Indicado para assaduras e incômodos na região pélvica que surgem, por exemplo, depois da depilação.” Segundo Marina, a crise sanitária acelerou o movimento: “É um mercado em franco aquecimento”. Ela também destaca o papel social. “A gente tem um dever de casa, estamos levando educação sexual para os consumidores.”

Fundada por três mulheres, a ginecologista e obstetra Ana Luiza Farias, a publicitária Fabi Giralt e a empresária Juliana Leite, a Nuaá tem como proposta trazer o conceito de skincare para a região da vulva. Um dos principais focos são as mulheres entrando no período da menopausa. “Fui convidada para dar uma palestra sobre os efeitos do câncer de mama, como o ressecamento vaginal (que pode ser provocado por diversos fatores, como a quimioterapia), e os tratamentos possíveis, porém caros, como o laser na região”, conta Ana Luiza. Paralelamente, a médica escutava no consultório o relato de pacientes jovens que costumavam usar óleo de coco e produtos de sex shop para lubrificação. Surgiu, então, a vontade de criar cosméticos específicos e, na sequência, veio o encontro com Fabi e Juliana: em agosto de 2020, a Nuaá saiu do papel com a missão de tirar a vulva da invisibilidade. “A pele do rosto muda ao longo dos anos. Resolvemos usar esse mesmo conceito de tratamento para a pele da vulva”, pondera Ana Luiza. Entre os produtos, estão três espumas de limpeza para três momentos da vida da mulher (uso diário, menstruação e menopausa) e uma água íntima. “Funciona como uma água termal”, compara Fabi.

A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins acredita que o sexual care é fruto da mudança de mentalidade da sociedade. “Até filmes pornôs, que eram supermachistas, ganharam versões eróticas criadas por mulheres”, analisa. Regina frisa que o boom desse mercado é consequência da revolução de costumes e sexual ocorrida na década de 1960, quem tem na difusão da pílula anticoncepcional sua mola propulsora. “No século XIX, a mulher não podia gostar de sexo. Estamos no meio desse processo de aceitar o prazer”, avalia.

É justamente a descoberta do desejo em diversas áreas do corpo por meio do toque de um cristal a ideia da Mitra, criada em 2017 pela designer de moda e artista plástica Tatiane Ribeiro. “Sempre falei sobre sexualidade de maneira muito aberta e, em paralelo, sou louca por cristais.” Adepta de sex toys, Tati passou a se incomodar com a matéria-prima dos brinquedos que usava. Quando se deu conta, estava criando uma coleção de sete massageadores artesanais feitos de pedras brasileiras 100% certificadas, e montando um canal de vendas on-line. “Dá para ser usado sozinho, pode experimentá-lo em diversas regiões corporais, não é necessário introduzi-lo para ter prazer”, explica Tati. “Cada pedra trabalha um chacra diferente”, emenda.

A terapeuta sexual Mariana Stock, fundadora do Prazerela, aplaude o fato de as mulheres liderarem negócios que atendam às necessidades femininas. “Mas temos que levar em consideração que sexualidade não é apenas genital. Acho que a categoria de sexual care se concentra ainda muito nesse foco. A potência orgástica está em todo o corpo”, avalia.

Para Heloisa Etelvina e Izabela Starling, da Pantynova, marca que nasceu em 2018 com a intenção de deixar os sex toys mais divertidos, a disseminação do sexual wellness é motivo de comemoração. “Começamos vendendo on-line e levando os produtos, em mãos, aos consumidores no metrô de São Paulo. Hoje temos mais de 200 mil seguidores e entregamos em todo o Brasil”, diz Heloisa, citando o último lançamento da dupla: um lubrificante com ácido hialurônico na fórmula, que, além de dar prazer, proporciona tenacidade para a região pélvica. Nada mal.

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