A Justiça venezuelana, alinhada ao presidente Nicolás Maduro, determinou, nesta sexta-feira, a tomada da sede do jornal El Nacional, crítico ao governo. A ação se segue a uma condenação do Tribunal Supremo de Justiça, em que a corte havia determinado que o veículo pagasse US$ 13 milhões (mais de R$ 72,4 milhões) a Diosdado Cabello, número dois do regime bolivariano e vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela, por danos morais e difamação.
A denúncia de Cabello contra El Nacional, um dos jornais mais tradicionais da Venezuela, ocorreu depois que o veículo publicou, em 2015, declarações do capitão de corveta Leamsy Salazar, chefe da segurança de Hugo Chávez durante anos, que acusou Cabello de ter vínculos com o tráfico de drogas. Salazar havia desertado para os EUA pouco antes. As alegações de Salazar foram publicadas originalmente pelo jornal espanhol ABC e replicadas por agências e meios de comunicação internacionais.
Editorial: O confisco do jornal venezuelano El Nacional
No Twitter, o diretor do jornal, Miguel Henrique Otero, publicou: "neste momento, um juiz rodeado por guardas nacionais tomou o edifício de El Nacional para apreender tudo".
À época da condenação, em abril deste ano, fontes consultadas haviam dito que a decisão obrigaria a empresa a entregar a sede da empresa, um moderno edifício adquirido em 2007, como parte do pagamento. O próprio Cabello comentou essa eventualidade em seu programa de televisão e prometeu que, nesse caso, as instalações do El Nacional seriam convertidas “na Universidade Internacional de Comunicação que nosso presidente Nicolás Maduro anunciou".
Segundo informou o jornal em seu site nesta sexta-feira, "o cartaz de notificação indica que se cobre o valor de US$ 7,8 milhões (cerca de R$ 41 milhões) do total de US$ 13 milhões do pagamento determinado" pela Justiça.
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Jorge Makriniotis, gerente geral do El Nacional , em declaração publicada pelo próprio jornal, condenou a decisão. Ele disse que se tratava de um novo ataque à liberdade de expressão.
"Estão tirando os nossos bens. Isso é ilegal, é um ataque à democracia ”, afirmou.
Também no Twitter, Cabello disse que "À tarde, os tribunais competentes, dentro dos trâmites da minha ação contra o El Nacional, executaram as medidas de fixação de cartazes e notificação do embargo executivo, e foi iniciado o processo de pagamento da indenização".
Na decisão de abril, o juiz destacou o "desprezo público" que teria sido gerado "contra a pessoa difamada, que o atingiu no seu âmbito pessoal e familiar, bem como perante o seu meio social em geral, sendo sujeito ao escárnio público sem qualquer justificação". "O que faz com que esta Câmara de Cassação Civil a qualifique como um dano moral gravíssimo", indica a sentença.
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Além do El Nacional, em 2015 Cabello também processou os diretores dos jornais Tal Cual, fundado por Teodoro Petkoff, e do portal La Patilla, dirigido por Alberto Ravell, por replicarem comentários semelhantes sobre o chavista. Esses processos judiciais, comentados publicamente por Cabello, estão em andamento, alguns em fase de apelação.
— O processo de El Nacional e do Tal Cual será encerrado em breve — comentou Cabello em outubro. — Agora dizem que Diosdado os persegue. Se eles não pagarem, tenho que ir contra o que eles têm. Vou exigir que eles paguem. Eu não ameacei ninguém, não perseguimos ninguém, então o que nos resta é ir ao tribunal. Sou exigente, fiquei magoado com a informação que publicaram contra a minha pessoa sem apresentar uma única prova, por isso os processei.
Fundado pelo escritor Miguel Otero Silva em 1941, inicialmente com uma orientação moderada de esquerda, El Nacional teve o apoio da opinião pública venezuelana e foi uma das grandes referências informativas do país ao longo do século XX. Muitos intelectuais latino-americanos e espanhóis no exílio chegaram às suas páginas, numa época em que a região era dominada por ditaduras. Também foi considerada uma escola de formação de muitos jornalistas no país.
Miguel Henrique Otero assumiu gradativamente a direção da empresa após a morte de seu pai, em 1985. El Nacional teve um momento de coincidência e proximidade com Hugo Chávez durante sua primeira candidatura, em 1998, para logo antagonizá-lo irremediavelmente durante o segundo ano de seu governo. O governo Chávez acusou repetidamente Otero de conspirar para derrubá-lo e criticou duramente sua orientação editorial. A antiga sede do jornal, no centro da cidade, foi massivamente atacada por militantes chavistas em diversas ocasiões.
No final de 2017, estrangulado pelas pressões fiscais, pela crise econômica e pela escassez de papel, o El Nacional anunciou o fim da sua edição impressa e o reforço da sua versão digital.
Com uma equipe mais enxuta, o El Nacional adotou uma redação menor e com novos membros para o site, que continua funcionando. Muitas outras editoras tradicionais da Venezuela passaram pelo mesmo processo em face do cerco chavista.
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