Durante a infância, Fabiana Moraes foi alvo de bullying na escola. Considerada muito magra e alta, foi perseguida pelos colegas e apelidada de Papel. De personalidade forte, comprou brigas sempre que hostilizada. Mais do que isso: usou o biotipo a seu favor para fazer sucesso nos esportes. Primeiro, como goleira do time de futsal. Por fim, no atletismo, pelo qual chegou ao pódio nos Jogos Estudantis. Em pouco tempo, subverteu o tom pejorativo do apelido.
— A Papel virou uma lenda no colégio. Porque eu era rápida e voava que nem um papel. Até os pais dos alunos me reconheciam — recorda-se Fabiana, que se especializou nos 100 metros com barreira, pelo qual participou dos Jogos Rio-2016.
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Ela se motiva com obstáculos à frente. Atualmente, se vê de novo em situação desfavorável. Deixou o Brasil em plena pandemia para se preparar nos EUA.
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Com pouco dinheiro, trava uma dupla corrida contra o tempo. Para atingir o índice olímpico até 29 de junho e, ao mesmo tempo, obter o dinheiro que viabilize sua participação em competições pré-Jogos de Tóquio. Mais uma vez, vai precisar da Papel que guarda dentro de si.
— Antes, minha meta era ser atleta olímpica. Já alcancei. Mas no esporte a gente sempre quer se superar. Neste caso, quero a medalha. Arrisquei num determinado momento da vida e obtive sucesso. Agora, estou me arriscando também.
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Sem patrocínios, a única renda com a qual ela ainda pode contar é a do Bolsa Atleta. Mas, com a demora do governo federal em lançar o último edital, está sem receber desde março, quando terminaram os pagamentos relativos à temporada 2019. A partir de junho, receberá os de 2021 (os de 2020 foram cancelados).
Contemplada na categoria olímpico, Fabiana tem direito a R$ 3.100 mensais. Mas isso é pouco para o que precisa: R$ 100 mil. Segundo seus cálculos, este valor inclui inscrições em competições, viagens, hospedagem e alimentação dela e de seu treinador Loren Seagrave. Ela tem uma série de eventos entre maio e junho nos Estados Unidos e na Europa para aprimorar seu tempo e atingir a marca de 12s84, necessária para ir a Tóquio.
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— Essa é a minha melhor marca — conta a carioca de Santa Cruz, referindo-se ao seu feito de 2017, que a tornou dona do segundo melhor índice no continente, atrás apenas do recorde de Maurren Maggi (12s71, em 2001).
Corrida pelo sonho
Fabiana tem corrido atrás do dinheiro. Já tem aprovado, inclusive, um projeto via lei de incentivo do Governo do Estado do Rio para quem queira patrociná-la em troca de isenção de ICMS:
— Por que não investir nesta atleta que tem o potencial que eu já concretizei? Agora, para chegar em uma Olimpíada e numa final entendo que preciso aumentar minha média de resultados. E, para isso, preciso estar competindo em alto nível e com o meu treinador.
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A capacidade de desenvolver projetos não para aí. Formada em marketing, ela usou os primeiros meses da pandemia para organizar sua própria marca de roupas, a Brazil Nation. Inspiradas em sua vivência como atleta, elas atenderiam tanto os esportistas quanto o público. O objetivo é que a empresa seja também organizadora de eventos e plataforma que una atletas e profissionais da área. Mas o primeiro passo é fazer parceria com uma fábrica para tornar as roupas realidade.
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Enquanto este momento não chega, Fabiana foca nas pistas. Uma lesão freou seu melhor momento, entre 2016 e 2017, com resultados abaixo dos 13 segundos. Hoje, aos 34 anos, aposta alto para tentar voltar a figurar no topo do ranking brasileiro.
Fabiana e Seagrave trabalham juntos desde o fim de 2019. Mas a Covid atrapalhou seus planos. Ele vive em Atlanta, nos EUA. A pandemia não só impediu suas vindas ao Brasil (onde também é consultor do COB) como fechou por meses a maioria das instalações esportivas no país.
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Convicta de que, para atingir sua melhor performance, precisava estar mais próxima de Seagrave (que já treinou campeões olímpicos como o canadense Donovan Bailey e o americano Justin Gatlin), Fabiana viajou em abril deste ano. Renunciou à estrutura que o COB oferece no Rio aos atletas para ir atrás de um trabalho que atenda em 100% suas necessidades.
Viver em outro país, ter um treinador particular, além do atendimento de outros profissionais (como nutricionista e psicóloga) tem seu preço. Para reduzir custos, ela mora na casa de Seagrave. Mas suas economias estão longe de serem suficiente.
— Estou devendo meu apartamento, estou cheia de dívidas — desabafa.
Num país em que falta dinheiro ao esporte e a maioria das confederações não consegue financiar seus talentos, a história de Fabiana representa a de muitos outros atletas brasileiros. Por mais que o clichê seja tentador, sua persistência não pode ser confundida com heroísmo. Ao contrário das barreiras que ela pula nas pistas, as da vida real não precisariam existir. Mas, assim como a Papel, ela resiste. E tenta fazer da adversidade um trampolim:
— Tenho muito orgulho de falar de onde vim e onde cheguei. Cresci com muitas dificuldades em casa. Com meu pai sendo agressivo com minha mãe, eu sofrendo bullying no colégio... O esporte sempre foi minha vida, minha válvula de escape. Ele salva pessoas.
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