Flávia Mantovani
São Paulo, SP
O Brasil abriu a fronteira com a Venezuela pela primeira vez desde março do ano passado, mas limitou o acesso a 50 pessoas por dia. A entrada estava bloqueada, segundo o governo, por razões sanitárias, mas a medida era criticada por advogados e organizações de direitos humanos, que diziam que deveria ser feita exceção -com medidas de controle como testes ou quarentena- por se tratarem de pessoas vulneráveis que buscam refúgio.
A portaria 655, publicada nesta quarta-feira (23), substitui uma das dezenas que já foram feitas a respeito da entrada de estrangeiros no país e quem, segundo as organizações, era discriminatória em relação aos venezuelanos. Desta vez, passou a ser permitida a entrada por terra de pessoas dessa nacionalidade. Segundo a portaria, essas "pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária" poderão receber assistência emergencial de acolhimento e regularização migratória.
O texto diz que isso se aplica também àqueles que entraram no país de 18 de março até agora, quando as fronteiras estavam fechadas, ou seja, por caminhos clandestinos. Até agora, eles estavam em situação irregular, sem poder pedir refúgio e sujeitos à deportação -inclusive sumária, algo que contraria a lei brasileira de migração e tratados internacionais sobre refúgio.
A reportagem teve acesso a uma reunião interna da Operação Acolhida com parceiros, transmitida virtualmente, em que foi avisado do limite de 50 pessoas por dia, que é o que seria possível atender, de acordo com um militar que participa da Operação Acolhida. O objetivo, segundo ele, é "desestimular a entrada ilegal no país". Haverá também um reforço da repressão a coiotes -intermediários que cobram para levar os migrantes de forma irregular.
Em uma situação comum, antes da pandemia, a quantidade de entradas e saídas na fronteira de Santa Elena com Pacaraima era de ao menos 300. "Haverá dificuldade para atender toda a demanda reprimida de migrantes em Roraima. O limite de 50 pessoas por dia é insuficiente", diz o defensor público federal João Chaves. Para ele, a nova portaria tem o ponto positivo de reconhecer a necessidade de uma solução para o fluxo migratório venezuelano, mas deixa lacunas. Por exemplo, não tratou das multas aplicadas às pessoas que entraram antes da mudança -que podem chegar a R$ 10 mil.
Segundo ele, também não está claro a garantia do direito de regularização pela via do refúgio para as pessoas que estão em outros Estados, fora do sistema da Operação Acolhida. As portarias anteriores sobre o tema determinavam que estrangeiros de todas as nacionalidades estavam proibidos de entrar por terra no Brasil, mas havia diversas exceções: imigrantes com residência de caráter definitivo no país, aqueles que têm cônjuge, companheiro, filho ou pai brasileiro, e portadores do Registro Nacional Migratório.
As exceções, porém, não valiam para pessoas vindas da Venezuela, que não podiam entrar no Brasil por terra sob nenhuma hipótese. Questionado em oficio pela organização de direitos humanos Conectas, que apresentou um parecer técnico da USP apontando que não havia base sanitária para barrar pessoas oriundas do país, o Ministério da Justiça respondeu que se tratava de uma determinação sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
A Anvisa, no entanto, informou que nunca orientou o Ministério da Justiça a proibir a entrada de pessoas vindas de território venezuelano, em decorrência da pandemia de Covid-19. Para Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, a portaria desta quarta-feira tem o problema de "condicionar o acolhimento e regularização migratória de venezuelanos aos 'meios disponíveis'". "O governo cria uma enorme insegurança jurídica e abre brechas para criar cotas migratórias, o que viola os princípios da lei de migração. Quem vai decidir quais os meios disponíveis? E como isso será informado aos agentes de controle migratório e à população? ", questiona.
As informações são da FolhaPress
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