Datas com recordes de casos da Covid-19 nos estados podem ter sido divulgadas com até 52 dias de atraso, alerta Fiocruz

RIO — Os dados sobre casos da Covid-19 são necessários para fundamentar decisões de políticas públicas e medidas como, por exemplo, a recomendação ou flexibilização do isolamento social.

No entanto, um estudo da Fiocruz apontou que a data em que mais casos da doença foram registrados nos estados foi divulgada nos boletins epidemiológicos com até 52 dias de atraso em relação ao dia em que os recordes foram batidos.

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As maiores discrepâncias ocorreram nos estados do Amapá, Maranhão, Paraíba, Rio de Janeiro e Rondônia, nos quais a data com recorde de casos foi registrada mais de 50 dias depois de ter acontecido.

"Isso significa que medidas importantes de saúde pública podem ter demorado a ser tomadas, prejudicando o combate à epidemia", diz o estudo, realizado por pesquisadores do projeto Monitora Covid-19, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz).

Outros estados também apresentaram grande diferença entre as datas da quantidade máxima de casos registradas nos sistemas e as divulgadas.

— Isso implica que o momento em que estávamos no pior período da pandemia, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, e também em outros estados, o que estava sendo relatado no boletim não condizia com o que estava acontecendo. A gente estava achando que era uma situação confortável, mas, na verdade, estava no período mais intenso — afirma Diego Xavier, epidemiologista da Fiocruz.

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Ele explica que essa situação é comum em epidemias e conclui, a partir desses dados, que o sistema de informação também não estava preparado para o tamanho do volume de casos.

— Na região Sul, por exemplo, houve mais tempo para se preparar, porque a intensidade da pandemia lá foi maior depois, então a defasagem foi menor. O boletim divulgado lá serve para orientar a população, porque condiz com o que está acontecendo — afirma o epidemiologista.

Por uma questão de metodologia, o pesquisador explica que foram comparadas apenas as datas de máximas dos estados em que o total de casos eram parecidos entre um sistema e outro, com variação de até 10%.

Em alguns estados, como Espírito Santo e Paraná, os números divulgados nos boletins do Ministério da Saúde são muito maiores do que os casos registrados nos bancos de dados. O epidemiologista explica que isso provavelmente acontece porque esses estados têm sistemas próprios, e por isso alimentam os dados de outra forma. Em outros locais acontece o oposto, e o volume de casos registrados nos sistemas nacionais (SIVEP-Gripe e e-SUS VE) é superior ao observado nos boletins epidemiológicos.

— Nos estados em que bate o número total de casos, podemos comparar as datas de máxima com mais certeza. Para esses que não tem uma convergência, não — ressalta.

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A análise constatou que, em relação aos óbitos, o registro das datas de recordes de mortes apresentou uma discrepância menor em relação à divulgação no boletim epidemiológico, na maioria dos estados. No Amapá, Rio Grande do Norte e Rondônia há maior diferença, com mais de 39 dias.

O sistemas de registro de casos e óbitos pela Covid-19

Os dados sobre número de casos e óbitos pela Covid-19 são coletados pelo serviço de saúde e registrados em dois principais sistemas de informação do Ministério da Saúde, o Sistema de Vigilância Epidemiológica de Gripe (SIVEP-Gripe) e o e-SUS VE.

De acordo com o estudo, a pasta recomenda que os casos hospitalizados de Síndrome Respiratória Aguda Grave e os óbitos sejam notificados no SIVEP-Gripe. Já o e-SUS VE registra a notificação de casos suspeitos e confirmados de Covid-19 e foi criado para atender a alta demanda de notificações devido à pandemia. No entanto, Diego Xavier explica que nem sempre essas regras são seguidas.

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A nota técnica divulgada pelo Monitora Covid-19 recomenda que a forma de divulgação dos registros da doença não seja modificada, mas reitera que as divergências apontadas devem ser levadas em consideração.

"A população já se habituou a essa lógica, e alterar as datas neste momento do processo epidêmico traria mais desinformação do que ganho na comunicação. Contudo, as defasagens apresentadas devem ser consideradas pelos gestores públicos, sobretudo para tomada de decisão e orientação das intervenções”, afirma o documento.

O sanitarista Christovam Barcellos, vice-diretor do Icict/Fiocruz afirmou, em nota: “Seria importante um esforço nacional, que poderia ser liderado pelo próprio Ministério da Saúde. Uma busca coletiva em prol da padronização na forma como são lançados os dados de saúde em todos os níveis, começando pela ponta, ou seja, nos postos de saúde e hospitais públicos dos municípios. Além de padronizar, seria preciso um esforço de treinamento de abrangência nacional, criando uma cultura mais sólida de registro das informações de saúde no Brasil”.

*Estagiária com supervisão de Flavia Martin

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