Volta às aulas: especialistas apontam cuidados e consequências

SÃO PAULO - A volta às aulas com relativa segurança deve incluir uma série de medidas que vão da limitação da frequência de alunos por sala a mudanças na distância de mesas e na organização de recreio e lanche, afirmam especialistas da saúde. O GLOBO ouviu dez infectologistas, epidemiologistas e virologistas, entre outros profissionais da área, para dimensionar os riscos sanitários na volta às aulas.

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Todos concordam que o retorno passa por uma grande transformação na rotina das escolas, a começar pela ampliação de procedimentos de higiene. Quatro deles citam a importância do aumento de pontos de lavagem das mãos; outros quatro sugerem mais totens de álcool em gel; e dois são inclusive a favor da eliminação de bebedouros, preocupantes pontos de contágio.

A limpeza frequente de equipamentos como mesas, cadeiras e brinquedos também pesa na retomada.

— Isso é o cientificamente desejável, como dentro de um hospital. Ainda que, obviamente, no hospital tenhamos uma circulação de pessoas potencialmente contaminadas, isso também pode acontecer na escola — diz Alexandre Naime Barbosa, chefe de infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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Do ponto de vista científico, o “novo normal” deve ainda abolir self-service na merenda e salas fechadas com ar-condicionado. Aulas todos os dias são descartadas de início: a presença três vezes por semana é a mais sugerida como “confortável” para diminuir o potencial de contato, facilitar o controle dos casos positivos e causar menos impacto no transporte, também considerado ponto crítico. Oito dos entrevistados sugerem que o retorno seja iniciado com no máximo 10% a 20% do efetivo total de alunos, para reduzir o risco de contágio.

Ensino Médio primeiro

É quase consenso (também oito respostas) que as aulas só deveriam retornar no ano que vem, considerando que a taxa de transmissão continua alta em vários estados. A particularidade seria no caso de alunos mais velhos. Para seis especialistas, os estudantes do Ensino Médio deveriam puxar a fila, por terem maior noção de distanciamento.

— Para as crianças pequenas, que teriam mais dificuldades de cumprir as regras, o risco é maior que o benefício, e não seria recomendável que voltassem neste ano. Já os alunos mais velhos poderiam retornar de forma gradual. Seria até necessário — opina a médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

Para seis especialistas, porém, professores e funcionários em grupo de risco não deveriam voltar neste momento — para outros três, eles só devem voltar com máscaras e outras medidas.

A recomendação para alunos é a troca de máscaras de uma a várias vezes ao dia, citada por nove dos entrevistados. Outras medidas, como testagem frequente e controle de temperatura na entrada, também são indicadas para os gestores das escolas.

— A epidemia é geral. A escola não vai estar protegida disso. Por isso, todos precisam ser precavidos — diz o epidemiologista Paulo Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP).

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A decisão sobre a volta às aulas apresenta ainda um desafio de escala considerável para os governantes: o setor de educação é considerado pelas autoridades como aquele com maior potencial de aumentar a movimentação de pessoas, muito mais do que, por exemplo, a abertura de bares, restaurantes ou academias.

O estado de São Paulo ilustra o tamanho dessa decisão: desde o início do plano de reabertura, o índice de isolamento da população caiu cerca de 4 pontos percentuais.

— A educação é um dos setores em que ainda não permitimos a volta e que tem um potencial de movimentação de pelo menos 13 milhões de pessoas — explica Santiago Falcão, coordenador do gabinete de crise do governo de São Paulo.

Impacto importante

O impacto da suspensão das aulas foi sentido logo no início da pandemia: entre 20 de março, último dia de aulas no estado, e 23 de março, o primeiro dia com as escolas fechadas, o índice de isolamento subiu 8 pontos percentuais — cerca de 3,5 milhões de pessoas que deixaram de sair de casa.

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Atualmente, o governo calcula que existem 13,3 milhões de alunos de todas as etapas escolares nas redes públicas e privadas. Além deles, há um milhão entre professores e profissionais da educação no estado. Segundo Falcão, isso explica o cuidado na retomada das aulas, como uma reabertura gradativa que, atualmente, está planejada para outubro.

A avaliação é compartilhada pela professora do departamento de Saúde Global e População de Harvard, Marcia Castro, que destaca o estado de algumas das escolas da rede pública no país, que não tinham sequer uma estrutura satisfatória antes da chegada do vírus: unidades sem torneira ou com salas de aula sem janela, por exemplo.

— Não é só as crianças usarem máscara e estarem afastadas. Tem que pensar o recreio, a atividade física, a merenda, o ar-condicionado. Não há resposta única. Mas também não é justo abrir algumas escolas apenas, senão aumenta mais o buraco da desigualdade.

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