Milhares de bielorrussos voltam às ruas contra regime de Lukashenko, que responde com violência

MINSK — Nem as ameaças ou tampouco os carros blindados e militares desencorajam os manifestantes pró-democracia que tomaram as ruas da Bielorrússia neste domingo. Pela quarta semana seguida, centenas de milhares de pessoas se reuniram para exigir que Alexander Lukashenko deixe o poder e convoque novas eleições após o contestado pleito de 9 de agosto.

No poder há 26 anos, o líder autoritário respondeu cercando as principais ruas da capital, onde milhares de policiais e soldados tentaram impedir a concentração de pessoas e usaram gás lacrimogêneo contra alguns manifestantes. Segundo organizações defensoras dos direitos humanos, mais de 200 pessoas foram presas e dezenas ficaram feridos.

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Desde que os protestos começaram, há 29 dias, ao menos duas pessoas morreram, centenas ficaram feridas e mais de 7 mil foram detidas, em meio à dura repressão liderada por Lukashenko. Às Nações Unidas, foram denunciadas uma série de denúncias de tortura e abusos de poder dentro dos presídios.

Mesmo frente à represália, o povo continua a pressionar Lukashenko, conhecido como o “último ditador da Europa”. Sob o lema “marcha pela unidade”, cerca de cem mil pessoas protestaram em Minsk pelo quarto domingo consecutivo, segundo a imprensa independente. Protestos também foram registrados em Brest, Grodno, Gomel e outras cidades do país.

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Repressão

Na semana passada, o ministro do Interior havia admitido que tomaria medidas mais duras para reprimir os manifestantes e evitar “ações ilegais” — as tropas de choque, de fato, intensificaram suas ações para bloquear os manifestantes. As prisões, por sua vez, não voltaram ao mesmo nível nos dias que seguiram a eleição, apesar de terem aumentado.

Segundo organizações internacionais de monitoramento, a Bielorrússia não tem eleições livres desde anos 1990. Em meio a denúncias de fraude eleitoral, Lukashenko declarou-se vitorioso no pleito do mês com mais de 80% dos votos. O resultado é contestado por sua principal concorrente, Svetlana Tikhanovskaya.

Apesar de ter mobilizado o maior movimento antigoverno desde o colapso soviético, em 1991, ela obteve apenas 10% dos votos na contagem oficial, mas afirma ter sido a real vencedora. Ameaçada, abrigou-se na vizinha Lituânia, de onde trabalha em conjunto com um conselho da oposição formado para liderar a transição de poder e convocar novas eleições.

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O grupo foi declarado inconstitucional por Lukashenko e é alvo de um processo criminal. Diversos aliados de Tikhanovskaya também fugiram do país após ameaças. A perseguição também se estende à mídia: nesta semana, um grupo de homens mascarados e vestidos de preto prendeu dois importantes apresentadores de televisão que haviam apoiado os protestos, Denis Dudinsky e Dimitri Kojno.

Na noite de sábado, um canal estatal mostrou Dudinsky e Kojno reconhecendo seu “erro” ao participar das “marchas ilegais”. Em uma declaração que, para aliados, foram obrigados a fazer, dizem que “haverá consequências, e elas poderão não ser tão brandas quanto pensam”, para aqueles que participaram dos comícios. Ambos cumprem pena de prisão de 10 dias.

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Jornalistas presos

Vários jornalistas foram presos nos últimos dias — inclusive neste domingo, quando a tropa de choque deteve, entre outros, um jornalista que cobria os protestos ao vivo para uma rádio. Outros profissionais foram privados do credenciamento necessário para trabalhar no país. Na semana passada, dezenas de alunos foram presos dentro o prédio de uma universidade, onde fora organizado um ato contra Lukashenko.

Desde que a Rússia tornou demonstrações de apoio mais visíveis, Lukashenko se agarrou ainda mais ao poder. Em troca do auxílio, ele parece disposto a avançar com o acordo firmados com a Rússia há 20 anos que, até agora, via com receio pois aumentará sua dependência do Kremlin. Poucos analistas duvidam que o bielorrusso acabará fazendo concessões e aceitará não só acordos de energia pouco benéficos para Minsk, mas também acordo fiscais ou a extensão (e até ampliação) de duas instalações militares que a Rússia tem no país vizinho.

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Lukashenko, por sua vez, insiste que os protestos são mobilizados por forças estrangeiras e tanto ele quando o Kremlin falam em “interferência”. Os países ocidentais, por sua vez, veem os movimentos com cautela: há desavenças no bloco europeu sobre a dureza das sanções que serão impostas a Minsk, pois teme-se que uma resposta demasiadamente dura ponha a Bielorrússia de vez na órbita de Moscou.

Buscando pressionar a União Europeia, os países bálticos — Estônia, Letônia e Lituânia — e a Polônia anunciaram na semana passada sanções contra Lukashenko e outros 29 funcionários do regime russo. A Bielorrússia, por sua vez, enviou tropas para suas fronteiras, frente a uma suposta ameaça da Otan, algo negado pela aliança.

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