Morre Mohammad-Reza Shajarian, um dos grandes ícones da música iraniana

TEERÃ — Milhões de iranianos e fãs ao redor do mundo prestaram homenagens àquele que é conhecido como o mais celebrado cantor contemporâneo do Irã, Mohammad Reza Shajarian, de 80 anos, que morreu nesta segunda-feira, depois de enfrentar um câncer por quase duas décadas.

Conhecido por sua voz poderosa, que, diziam os admiradores, podia penetrar na alma de quem a ouvia, Shajarian logo cedo teve acesso à música clássica persa, perseguindo tradições transmitidas muitas vezes de forma oral entre as gerações, ao mesmo tempo em que aprendia a técnica de recitação do Alcorão, uma exigência de seu pai, um homem conservador e religioso.

Como contou em entrevista à rádio americana NPR, começou sua carreira artística aos 19 anos, com um repertório que incluía versos dos autores clássicos persas, como Rumi e Hafez, e canções com forte teor de protesto. Mesmo assim, só daria seus primeiros passos no ativismo político, algo que marcaria boa parte de sua carreira, durante os distúrbios que antecederam a revolução de 1979.

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Depois do massacre da praça Jaleh, quando mais de cem pessoas foram fuziladas por forças do xá Reza Pahlevi durante um protesto em Teerã, a “Sexta-Feira Negra”, em 1978, se juntou a um grupo de artistas ao anunciar um boicote à rádio estatal.

— Shajarian era integrante de um grupo de jovens músicos que, nos anos 1970, revolucionou a música clássica persa, ao transformá-la em uma arte que falava diretamente às questões político-sociais da época — afirmou à Reuters Nahid Siamdoust, autor de “Trilha Sonora da Revolução: Política da Música no Irã” (sem edição no Brasil).

Depois da queda do antigo regime e a instalação da teocracia, se calou, assim como outros artistas populares. Só voltaria a cantar em 1982, passando a interpretar músicas que por vezes traziam mensagens políticas escondidas sob palavras emprestadas de poetas clássicos, enganando os censores.

Ídolo e traidor

Em 2009, porém, deixaria seu ativismo mais explícito, ao declarar apoio aos manifestantes que participavam da chamada “Onda Verde”, os protestos contra os resultados da eleição presidencial daquele ano, que foram reprimidos com violência extrema pelas forças oficiais.

Tal qual nos meses que antecederam a queda do Xá, pediu que os veículos oficiais de comunicação parassem de usar suas canções — Sharajian acreditava que as autoridades estavam usando sua obra para favorecer a imagem do regime.

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A resposta oficial foi dura: apontado como um traidor, foi proibido de se apresentar ou de lançar novas gravações dentro do Irã, e sua voz foi praticamente apagada dos espaços públicos. Ao mesmo tempo, lhe foi permitido rodar o mundo apresentando sua música para milhões de pessoas. Ele também continuou morando no Irã.

Em 2016, revelou que havia sido diagnosticado com um câncer nos rins cerca de 15 anos antes, uma doença que ele chamava de “um amigo” com quem vivia. Em seus últimos dias, podia ouvir da janela de um hospital em Teerã as vozes de centenas de fãs, que cantavam alguns de seus sucessos.

Com o anúncio da morte de Shajarian, feito por um de seus filhos, Homayun, centenas de pessoas foram às ruas de Teerã, o que provocou uma certa reação das forças de segurança para dispersar a multidão. O serviço de monitoramento de internet NetBlocks relatou ainda restrições ao uso da rede móvel, algo visto de forma recorrente em protestos.

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Apesar de oficialmente censurado, a morte de Shajarian, de 80 anos, foi lembrada com louvor por integrantes do governo. A agência estatal Mehr, por exemplo, disse que ele era o “incontestável mestre da canção tradicional Persa, e tido como um tesouro por músicos e amantes da música”. O presidente Hassan Rouhani afirmou que a “agradecida nação do Irã sempre manterá o nome, a memória e as obras desse artista na memória”. Na mesma linha, o chanceler, Javad Zarif disse que o “maestro Shajarian era um grande e verdadeiro embaixador do Irã, de suas crianças e, acima de tudo, sua cultura”.

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