Feriadão começa com festas e bares lotados no Rio, apesar de fiscalização e pandemia

RIO — Não teve apelo a bom senso, ameaça de multa, nem uma estatística que aponta para mais de 31 mil mortos por Covid-19 no Estado do Rio capazes de demover as milhares de pessoas que se aglomeraram em festas e bares na noite de anteontem e na noite de ontem. O início do feriadão foi marcado por desrespeito às regras sanitárias. Da Lapa, reduto boêmio da cidade, à Rua Dias Ferreira, palco de tradicionais noitadas durante a pandemia, passando pelo Complexo da Maré, multidões sem máscaras e distanciamento social ignoraram o avanço do coronavírus.

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A prefeitura até que tentou. Equipes da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop), da Guarda Municipal e do Instituto de Vigilância Sanitária, com o apoio da Polícia Militar, interditaram sete estabelecimentos e aplicaram nove multas. No Jockey Club, na Gávea, uma festa foi interrompida, e os fiscais recolheram os equipamentos de som. O mesmo aconteceu num baile de carnaval, na Rua do Riachuelo, no Centro, e na quadra da Unidos da Tijuca, no Santo Cristo, onde os agentes chegaram antes mesmo de a música começar a tocar. A fiscalização atua de acordo denúncias feitas ao 1746, além de monitorar imagens das câmeras de trânsito.

‘Covideiros’ no Leblon

Mas na Dias Ferreira não teve jeito. Já por volta das 23h, havia tanta gente nas calçadas e na rua que os carros tinham dificuldade para passar. O Leblon foi foco da força-tarefa montada pela prefeitura para exigir o cumprimento das regras de ouro durante o carnaval, mas no fim da noite de anteontem uma equipe do GLOBO viu apenas uma patrulha da Guarda Municipal parada no início da via.

— Venho aqui toda semana e está cada vez mais cheio. Com a chegada do carnaval, a rua parece lotada de estrangeiros. Venho para consumir dentro do bar, respeitando o isolamento social. Mas há pontos que já viraram “covideiros”, como o fim da rua, no cruzamento com a Ataulfo de Paiva — diz um morador do bairro, que não quis se identificar.

As aglomerações na noite de anteontem também se estendiam para dentro dos restaurantes, demarcados por um cercado. Em frente ao Bar Jobi, foliões maquiados e usando adereços conversavam em pé, sem respeitar o distanciamento social.

— É difícil controlar. As pessoas compram bebidas no camelô e vêm beber aqui na frente. Depois, a Guarda Municipal chega e multa pela ausência do distanciamento social. Já tomamos multa hoje (anteontem) — disse Manoel Rocha, dono do bar.

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Segundo Rocha, as grades foram uma alternativa para garantir o respeito à norma que limita a lotação para bares e restaurantes a dois terços da capacidade:

— É impossível proibir que as pessoas se aproximem quando estão aqui. A vida está difícil para o comerciante.

Por volta de 2h30 de sábado, a equipe do GLOBO voltou ao Leblon. O público em frente ao bar tinha aumentado de tal maneira que o cruzamento da Avenida Ataulfo de Paiva com a Rua Rainha Guilhermina estava praticamente bloqueado pela multidão. Não havia PMs ou guardas por perto.

Mureta do Leme: lotada

Mas o desrespeito não está restrito ao Leblon. Por volta da meia-noite, os quiosques na Pedra do Leme, perto da estátua de Clarice Lispector, estavam apinhados e não havia distanciamento entre as mesas, apesar de a maior parte dos clientes estar com máscaras. Em frente aos estabelecimentos, porém, o cenário era outro. Ao redor de coolers e caixas de som, grupos se divertiam sem proteção.

— Não temos poder sobre a aglomeração na mureta — alega Edinaldo Lima, dono do quiosque Sabores da Orla.

Segundo ele, patrulhas da Guarda Municipal vão à Pedra do Leme diariamente, mas não conseguem impedir a muvuca em frente aos quiosques:

— Isso compromete a imagem dos quiosques. Não queremos aglomeração aqui.

Acompanhado de dois parentes, um frequentador disse não se arrepender do passeio. Mas pediu para não se identificar, pois sabia que estava “fazendo a coisa errada”:

— Vim do Catumbi só para curtir a mureta. Não cheguei a ver nenhuma movimentação de bloco. Mas, se houver algum evento clandestino, talvez eu participe. Já pegamos Covid-19; estamos “vacinados”.

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Na Barra, a Avenida Olegário Maciel, estava lotada, sobretudo no cruzamento com a Avenida Comandante Júlio de Moura. Frequentadores se aglomeravam em frente a restaurantes, que usaram cercados para limitar a presença de clientes.

Do outro lado da cidade, na Maré, um show do cantor Belo num Ciep no Parque União varou a noite. Na manhã de sábado, uma multidão ainda dançava sem máscara e distanciamento social. Segundo a assessoria do artista, os protocolos sanitários foram cumpridos. A Secretaria estadual de Educação informou que não autorizou o evento no colégio.

Procurada, a Unidos da Tijuca não se pronunciou, e a produtora do evento no Jockey não foi localizada.

Descuido que pode custar vidas

A conta a ser cobrada pelas aglomerações no carnaval coloca os especialistas em alerta. A última edição semanal do Mapa de Risco da Covid-19, divulgada pela Secretaria estadual de Saúde anteontem, apontou uma ligeira melhora de quadro, ainda que falhas na notificação possam afetar a análise. Pela primeira vez desde o Natal, a chamada Região Metropolitana 1, que abrange a capital e a Baixada Fluminense, recuou para a bandeira amarela, com risco baixo de contágio segundo as autoridades sanitárias. O receio dos médicos, porém, é que o descuido excessivo com o isolamento durante a folia tenha um efeito similar ao das festas de fim de ano, que acabaram elevando os números da doença.

— Não tem jeito: aglomerar é a mesma coisa que aumentar o risco de transmitir e adquirir Covid. Temos uma quantidade mínima de imunizados, e a vacina pode acabar na terça-feira. Essas pessoas não estão respeitando a única coisa que a gente tem certeza que reduz o ritmo de contaminação, que é o distanciamento — explica Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio.

Na última sexta-feira, o Brasil registrou a maior média móvel de mortes pelo coronavírus desde julho, com 1.068 óbitos, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa. Oito estados encontram-se com a ocupação de leitos públicos de UTI destinados à Covid-19 igual ou superior a 80%. Neste momento, mais de 26 mil pessoas estão internadas lutando contra o coronavírus no país, sem considerar os pacientes da rede privada.

Além disso, o Brasil convive também com o temor que novas cepas do coronavírus, potencialmente mais agressivas ou contagiosas, agravem um quadro já delicado. A variante surgida no Amazonas já foi detectada pelo menos em outros seis estados, incluindo o Rio.

— Quanto mais o vírus se multiplicar na população, maior é o risco de fazer circular também essas novas cepas. Não se pode vacilar. É só olhar o que aconteceu com Portugal, que passou bem pelo início da pandemia, mas piorou muito após um relaxamento no fim de ano — alerta Tânia Vergara.

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