Ficar na China teria sido mais seguro, dizem brasileiros um ano após resgate de Wuhan, primeiro epicentro da Covid-19

RIO — No dia 9 de fevereiro de 2020, quando desembarcou do avião da Força Aérea Brasileira (FAB) na Base Aérea de Goiás depois de ter sido resgatada pelo governo brasileiro de Wuhan, na China, a modelo Adrielly Eger não poderia imaginar que estava deixando o primeiro epicentro da Covid-19 rumo a um dos países que viria a ser um dos mais atingidos pela pandemia.

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Naquela época, enquanto no país asiático havia 34 mil casos confirmados e 718 mortes, segundo dados da universidade americana Johns Hopkins, o Brasil ainda não registrava nenhum contágio. Antes de ser repatriada ao lado de outras 33 pessoas — e depois de inúmeros apelos ao governo brasileiro —, Adrielly ficou completamente trancada num apartamento próximo ao hospital onde foram registraram os primeiros casos.

— Todos falam que, se soubéssemos como estaria hoje, não teríamos voltado para cá (Brasil) — diz a modelo catarinense, cuja carreira internacional parou completamente com as restrições de viagens.

Ela explicou que, no entanto, não via outra opção:

— Quando falaram que iam repatriar a gente, não tinha como não vir, precisava estar com minha família de novo depois de tudo que passamos.

Na visão dela, as medidas severas de controle da pandemia implementadas pelos chineses tornaram o país um lugar muito mais seguro para passar a pandemia do que o Brasil. E os números corroboram isso.

Segundo a Johns Hopkins, atualmente não há registros de casos ativos da Covid-19 na província de Hubei, da qual Wuhan é a capital. Hoje, a China acumula pouco mais de 100 mil casos com 4.828 mortes, enquanto o Brasil bateu a marca de 9,7 milhões de contágios com mais de 236 mil óbitos.

Convencido por amigos e familiares a embarcar no voo da FAB, o professor mineiro Vitor Campos não tinha planos de regressar ao Brasil naquele momento, mesmo já estando na reta final do mestrado em linguística na Universidade de Huazhong, em Wuhan. E, apesar de ter conseguido concluir sua dissertação à distância, ele avalia que, estando na China, teria tido mais oportunidades de emprego. Com vários países fechando as fronteiras para o Brasil, ele vê dificuldades em fazer planos de voltar ao país asiático.

— Eles (chineses) tiveram coerência. Quando precisou, fecharam tudo, foram radicais. Aqui foi um caos total. Não havia conversa entre estados, municípios, governo. O presidente queria abrir, o resto queria fechar. Por isso a crise está se estendendo tanto.

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Foi essa diferença no modo como os governos locais e a população enfrentaram a pandemia que fez o treinador de futebol Marcelo Vasconcelos ter certeza de que tomou a decisão acertada ao não embarcar no avião da FAB há um ano.

Natural de Santo André (SP), ele mora na China há quatro anos e acredita que o rigor do governo na aplicação de testes, medidas restritivas e multas a quem desrespeitasse o isolamento, além do engajamento da população, fez do país asiático um modelo no enfrentamento ao vírus:

— Os chineses se uniram, respeitaram as regras, esse foi o grande diferencial. Desde maio aqui está tudo normal. Tem áreas que pode até ficar sem máscara, mas em ambientes de aglomeração é obrigatório. Há um controle alto, mas de forma educada, e todo mundo respeita. No Brasil, quando as mortes ficam abaixo de 1.000 se comemora.

O treinador conta ainda que outro fator foi determinante em sua decisão: o lado financeiro. Mesmo com um contrato de trabalho chegando ao fim em março de 2020, ele não via muita oportunidade de emprego no Brasil, que já vivia um cenário de crise econômica, agravada na pandemia.

Nas viagens a trabalho dentro da China, ele conta ainda que percebeu como a imagem do Brasil ficou afetada:

— Viajei três vezes e tive que sair do avião primeiro para ser inspecionado. Eles só aliviavam quando eu provava que minha última entrada na China havia sido em maio de 2019. Teve discriminação por ser brasileiro. Nossa imagem está muito ruim.

Também morador de Wuhan, o brasileiro José Renato Peneluppi Junior deixou a China horas antes do lockdown, em 23 de janeiro, para uma viagem de férias ao Camboja. Com o fechamento das fronteiras chinesas, ajudou de fora a pressionar o governo brasileiro a enviar o avião de resgate a Wuhan. Porém, ele mesmo não pensou em voltar ao Brasil. Renato diz que, quando saiu da China, ainda se sabia muito pouco sobre o vírus e o que estava por vir. E celebra ter podido retornar ao país que adotou em 2010:

— Não tinha como saber que, logo depois, a OMS declararia pandemia e que a China, depois de alguns meses, seria o melhor do mundo para estar.

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