RIO — Maria da Penha dos Santos Lima, de 67 anos, se enche de orgulho toda vez que passa diante da quadra do Dourado, em Cordovil, na Zona Norte do Rio. Ela é figura popular na região porque vende hambúrguer em um trailer que fica em frente à clínica da família. Mas agora tem tudo para ficar ainda mais conhecida fora do universo de sua clientela. Está entre os dez moradores retratados em fotografias gigantes que, desde o último dia 20 de março, cobrem o muro do espaço esportivo e de atividades culturais na comunidade.
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A iniciativa partiu do fotógrafo Diego Lima, de 34 anos, e um dos objetivos é elevar a autoestima da população num momento de pandemia. Penha, que aparece sorridente numa foto de 1,80m por 1,20m, está nas alturas:
— Foi show de bola para mim ser retratada nesse mural. Todo mundo está comentando. Passam por mim e dizem: “Dona Penha, a senhora está linda lá no retrato”. Foi uma iniciativa boa, que valoriza os moradores e enche de orgulho a comunidade.
As fotos do mural que tem mais de 12m de extensão foram feitas também por moradores e são o resultado de uma das três oficinas contempladas com premiação de R$ 13,3 mil pelo edital Ações Locais — destinados a ONGs e coletivos com mais de cinco anos de atuação seu território e pago pela prefeitura com recursos da Lei Aldir Blanc. Penha foi retratada pela filha Alessandra Santos, uma dos cinco alunos que concluíram a oficina de fotografia ministrada por Diego e que contou com aulas teóricas e práticas. As outras duas foram de dança afro e grafite.
— A ideia era fazer um resgate em cima da memória local. Por isso demos prioridade aos moradores mais antigos, que estão há pelo menos 30 anos na comunidade. Os próprios alunos é que saíram em campo com um questionário e escolheram os personagens — explicou Diego, que já trabalhou como câmera filmando shows no Circo Voador e há cerca de dez anos se dedica à fotografia.
Ensaios fotográficos
Os ensaios foram realizados num sábado, quando um estúdio foi montado na quadra do Dourado, com equipamentos profissionais emprestados. Embora um número reduzido de retratados figurem na exposição a céu aberto, por conta dos recursos limitados, pelos menos o dobro de pessoas foram fotografadas, incluindo quatro crianças e dois moradores em situação de rua que são figuras folclóricas e queridas no local, conhecidos apenas como Luiz e o Bolado.
O último está presente no mural, que fica na Rua Dourados, num local de grande circulação. O projeto foi tão bem recebido pela população que Diego não descarta a possibilidade de ampliá-lo.
— Achei legal que as pessoas cobraram. Querem saber quando vai ser a vez deles. Eles quererem se ver ali também. Uma coisa que eu penso é começar a fazer isso em outras ruas — disse o fotógrafo, acrescentando que em vez de mural, a ideia é escolher um morador por via para ser retratado numa única foto, contemplando dessa forma diferentes moradores e pontos variados da comunidade.
Para quem ficou por trás das câmeras, a experiência também foi enriquecedora. A técnica em química, Karolynne Campos, de 21 anos, contou que nunca havia pego num equipamento profissional antes:
— Foi muito especial porque ao mesmo tempo que a gente aprendeu as técnicas (de fotografia), a gente voltou isso para nossa comunidade. Fotografando pessoas do bairro, senti o poder da fotografia. A gente tem a péssima mania de só homenagear os mortos e com esse projeto a gente se volta para as pessoas vivas daqui e elas se sentiram importantes.
Para Diego, além de dar protagonismo a pessoas comuns, o projeto é importante também porque ajuda a fazer com que pessoas de fora e os próprios moradores vejam com outros olhos uma comunidade que, em geral, só ganha destaque por notícias ruins e relacionadas à violência. A luta da família do fotógrafo para mudar esse quadro é antiga. O avô dele fundou o Esporte Clube Dourado, de futebol amador, que deu origem a um campo e à quadra que viraram pontos de encontro e locais de atividades esportivas e culturais.
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O fotógrafo deu prosseguimento ao trabalho dos antepassados, ao fundar na comunidade o CineClube Tia Nilda, cujo nome homenageia sua avó, antiga líder comunitária que dá nome também à clínica da família local. O espaço, além de exibir filmes, realiza ações educativas e culturais e, durante a pandemia, tem ajudado a matar a fome dos mais necessitados distribuindo cestas básicas.
O mural faz tanto sucesso que não é raro ver moradores de celular em punho, fazendo selfies
— Já fiz selfie e vídeo. Amei participar do projeto. As pessoas vêem a gente com outros olhos. Estou muito orgulhosa — disse a vendedora Marlene Maria do Espírito Santo, de 57 anos, uma das retratadas.
Ela veio do Recife e está há mais de 25 anos na comunidade, depois de curta passagem pela Ilha do Governador. Não pretende sair mais.
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