SANTIAGO — Com 40% das urnas apuradas no Chile, candidatos de listas independentes surpreenderam, deixando para trás partidos tradicionais em uma votação histórica para eleger os 155 redatores de uma nova Constituição.
De acordo com os dados divulgados pelo Serviço Eleitoral do Chile (Servel) na noite deste domingo, as listas de independentes têm até agora 34,97% dos votos. A lista Vamos por Chile, formada pelos partidos de direita que apoiam o governo de Sebastián Piñera, tem 21% dos votos.
A lista Aprovo Dignidade, encabeçada pelo Partido Comunista e a Frente Ampla, de esquerda, tem 18%. Já a Lista do Aprovo, de centro-esquerda, está com 15% dos votos já contabilizados. Esta última é formada pela Democracia Cristã, o Partido Socialista, o Partido pela Democracia e outras forças de centro-esquerda que governaram o Chile na maior parte do tempo desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990.
O resultado indica que os os conservadores não chegarão a um terço dos constituintes, o que os impossibilitaria de bloquear a aprovação de artigos.
O país concluiu, neste domingo, dois dias de uma votação para definir a Assembleia Constituinte que irá substituir a Carta Magna herdada da ditadura de Augusto Pinochet. Os chilenos escolheram entre 1.373 candidatos os integrantes da Convenção Constitucional, entre eles atores, escritores, professores, ativistas sociais, advogados e políticos tradicionais.
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Além dos constituintes, os eleitores votaram em prefeitos, vereadores e, pela primeira vez, governadores regionais, em mais uma etapa em direção a uma sociedade mais participativa. Na capital, Santiago, os candidatos Irací Hassler e Felipe Alessandri disputavam voto a voto, de acordo com a apuração inicial.
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Não foram divulgados, até a noite de domingo, dados sobre a participação total. No sábado, mais de três milhões de eleitores (20,44%) foram às urnas, de um total de 14,9 milhões chamados para votar de forma voluntária.
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A Constituição anterior, elaborada durante a ditadura de Pinochet (1973-1990), é considerada a origem das desigualdades sociais no país. O processo constitucional também marca a primeira vez no mundo que uma Constituição será redigida por pessoas eleitas de forma paritária. Também fará história ao reservar 17 lugares na Assembleia aos 10 povos originários.
Devido à pandemia do novo coronavírus, a votação foi dividida em dois dias. As urnas foram lacradas e guardadas no sábado à noite, dia do início da votação, nos centros eleitorais por mais de 23 mil militares e delegados do Serviço Eleitoral (Servel) sem registro de incidentes.
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A pandemia já adiou duas votações no Chile, e, a despeito da vacinação avançada — 39% da população já tomaram duas doses —, ainda é intensa. Em 19 milhões de chilenos, 6.904 novos casos foram registrados ontem, seis vezes mais do que em outubro, quando houve o plebiscito para decidir se a Constituição deveria ser mudada.
A reforma constitucional foi a forma que o sistema político chileno encontrou para canalizar as manifestações massivas — várias e muito violentas — que estouraram em 18 de outubro de 2019, deixando cerca de trinta mortos e prejuízos milionários no comércio e no mobiliário público.
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Quase um mês após o início dos protestos em Santiago, as forças políticas anunciaram um acordo para convocar um plebiscito para decidir sobre a mudança da Constituição, que finalmente foi realizado em 25 de outubro de 2020.
— Uma boa parte do futuro do nosso país está em jogo na redação de uma Constituição que nos una, não uma que nos separa, como a atual — declarou o pré-candidato presidencial progressista Heraldo Muñoz, após votar no sábado.
Um levantamento da empresa Criteria, divulgado pelo jornal La Tercera, mostrou no sábado que 63% dos chilenos acreditam que o resultado da nova Constituição terá "consequências positivas para o país".
— Venho (para votar) com a expectativa de que possamos conseguir uma mudança para o país, que possamos construir uma nova Constituição muito distante daquela que nos foi deixada pela ditadura — disse à AFP Guillermo Guzmán, arquiteto de 57 anos.
A esperança do mundo político é que o processo constituinte — que durará nove meses, prorrogável apenas uma vez por três meses — vire a página da longa transição política que começou quando o Chile recuperou a democracia em 1990.
— Posso confessar que votei apenas nas mulheres, não dei o meu voto a nenhum homem porque acredito que também faz parte da mudança, que as mulheres possam assumir cargos de poder e que nos escutem — disse Fabiola Melo, piscóloga educacional de 35 anos.
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