RIO — Em dezembro do ano passado, Peter Teodocio da Silva, então com 17 anos, saiu de casa, em Juiz de Fora, Minas Gerais, para conhecer a Praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio. Com o primo mais velho, entrou em um ônibus trazendo dinheiro para passar poucos dias. Os dois, entretanto, se perderam, e o rapaz, sozinho, passou a vagar pelas calçadas da região. Ao completar a maioridade e ter de sair de um dos abrigos por onde passou, ele decidiu voltar para a sua terra natal. E conseguiu com a ajuda da equipe da Operação Segurança Presente, que, nos últimos cinco anos, promoveu a reinserção familiar de mais de 300 pessoas em situação de rua em seus estados de origem.
— Foram momentos muito difíceis, debaixo de chuva, sentindo frio, e tendo que pedir ajuda para que desconhecidos pagassem minha comida. Só tenho recordações ruins, por isso quero tanto voltar logo — contou o jovem, antes de embarcar , na Rodoviária do Rio, na última terça-feira, para Minas.
Pesquisa na internet
Após ser abordado por uma equipe da Segurança Presente de Botafogo, Peter foi acolhido pela assistente social Janaína Souza, que atua no bairro desde 2019. Ao vasculhar a internet em busca de informações, já que o rapaz não tinha documentos e não lembrava sequer seu telefone e o endereço, a profissional conseguiu localizar uma vizinha dele, que foi até a casa da família. Por telefone, a mãe, emocionada, disse que chegou a acreditar que não encontraria mais o filho com vida.
— Lembro até agora do sorriso que ele deu quando conseguimos fazer uma chamada de vídeo com seus parentes. Felizmente, nos tornamos um ponto de referência para pessoas nesse tipo de situação, seja nos abordando diretamente ou sendo encaminhadas pelos policiais — conta Janaína.
A assistente social explica que foi feito um trabalho de escuta sobre a história do jovem, incluindo as razões que o levaram a parar nas ruas. Após a etapa, ele foi motivado a retornar ao lar.
— Conseguimos devolver a cidadania a pessoas que há tempos viviam privadas de seus direitos, através da emissão de documentos e de benefícios, de encaminhamentos a tratamentos de saúde, de atendimentos sociais ou da reinserção familiar. Nosso trabalho é acreditar no outro e dar a ele ferramentas para que possa mudar sua história de vida.
Apenas na base de Botafogo — são 33 no total, na Região Metropolitana do Rio —, nos últimos dois anos 32 pessoas em situação de rua já foram encaminhadas a estados como São Paulo, Mato Grosso e Ceará. O custeio das passagens é feito em parceria com o Projeto Vidas Invisíveis, fundado por Priscila Mello. Ela conta que a ideia surgiu em 2016, após uma postagem nas redes sociais que mostrava pessoas dormindo em uma agência bancária sendo alimentadas por voluntários. A publicação foi alvo de críticas e mensagens de ódio.
— Centenas de pessoas deixam suas vidas em busca de sonhos e, ao chegarem ao Rio, se veem na dura realidade. Nosso principal foco hoje é a ressignificação do contato com a família, que gera a reintegração social, pois voltar para casa torna-se o alicerce necessário para que retomem o protagonismo de suas histórias — pontua a administradora do projeto.
Além da passagem rodoviária, o Vidas Invisíveis distribui refeições, roupas, kits de higiene pessoal, cobertores e material escolar; confecciona currículos e os distribui para bancos de empregos; e ainda arrecada produtos de cabeleireiros e de outras profissões para que empreendedores possam retornar ao mercado de trabalho. Por ano, em média, 5.200 pessoas são atendidas pelo projeto:
— O nome do nosso grupo foi dado justamente em virtude da maior reclamação de quem vive às margens da sociedade: a invisibilidade.
As reportagens sob o selo “Reage, Rio!” têm apoio institucional de Rio de Mãos Dadas, uma iniciativa da Fecomércio RJ.
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