RIO — Uma escola em Liverpool, no Reino Unido, precisou alertar os responsáveis pelos alunos para ficarem atentos a uma série de vídeos que havia tomado as redes sociais estimulando fraudes em testes rápidos de Covid-19, conforme noticiou a imprensa local no final de junho.
As postagens consistiam na ideia de usar o material da imunocromatografia de fluxo lateral (LFT, na sigla em inglês) que, em contato com substâncias ácidas, seja um pouco de suco ou refrigerante de cola, mostram um resultado falso de infecção por coronavírus. Com isso, adolescentes com idades entre 12 e 15 anos buscavam não precisar ir para escola, considerando a volta de aulas presenciais.
Diante da repercussão dos vídeos com tutoriais de como enganar os adultos, instituições de ensino ressaltaram que apenas o resultado do teste rápido não basta para deixar de frequentar as aulas, sendo também necessário passar pelo exame PCR para se certificar.
A descoberta desse modelo de falcatrua, entretanto, não surgiu com os estudantes. Ainda em 2020, o deputado austríaco Michael Schnedlitz usou da mesma artimanha para menosprezar a eficácia do teste rápido.
Artimanha colocada à prova
Mark Lorch, professor de química e comunicação científica na Universidade de Hull, no Reino Unido, explicou a técnica por meio de um artigo no site "The Conversation", em que aproveitou para deixar um recado às "crianças desonestas":
"Crianças, aplaudo sua engenhosidade, mas agora que encontrei uma maneira de descobrir seus truques, sugiro que usem sua astúcia para elaborar um conjunto de experimentos e testar minha hipótese. Então, podemos publicar seus resultados em um jornal revisado por pares".
Com o objetivo de poder comprovar a desonestidade, Lorch se propôs a descobrir se há uma maneira de diferenciar um resultado falso positivo de um verdadeiro.
"Primeiro, achei melhor verificar as alegações, então abri as garrafas de cola e suco de laranja e, em seguida, coloquei algumas gotas diretamente nos LFTs. Com certeza, alguns minutos depois, duas linhas apareceram em cada teste, supostamente indicando a presença do vírus que causa a Covid-19", relatou o professor.
Como funciona o teste rápido de Covid-19
Em seguida, ele explicou do que o teste rápido é feito e como ele funciona.
"Se você abrir um dispositivo LFT, encontrará uma tira de material semelhante a papel, chamada nitrocelulose, e uma pequena almofada vermelha, escondida sob o invólucro de plástico abaixo da linha T. Absorvidos pela almofada vermelha, estão os anticorpos que se ligam ao vírus da Covid-19. Eles também estão ligados a nanopartículas de ouro (minúsculas partículas de ouro na verdade aparecem vermelhas), o que nos permite ver onde os anticorpos estão no dispositivo. Ao fazer um teste, você mistura sua amostra com uma solução tampão líquida, garantindo que a amostra permaneça em um pH ideal, antes de pingá-la na tira. O fluido absorve a tira de nitrocelulose e coleta o ouro e os anticorpos. Este último também se liga ao vírus, se presente. Mais acima na tira, ao lado do T (para teste), estão mais anticorpos que se ligam ao vírus. Mas esses anticorpos não são livres para se mover — eles estão presos à nitrocelulose. À medida que a mancha vermelha de anticorpos marcados com ouro passa por esse segundo conjunto de anticorpos, eles também prendem o vírus. O vírus é então ligado a ambos os conjuntos de anticorpos — deixando tudo, inclusive o ouro, imobilizado em uma linha ao lado do T no dispositivo, indicando um teste positivo".
Segundo o professor, uma possibilidade para um falso positivo aparecer quando o teste entra em contato com sucos e refrigerantes é que essas bebidas contenham algo que os anticorpos reconheçam e se liguem, assim como fazem com o vírus. No entanto, para ele, isso é "bastante improvável".
"O motivo pelo qual os anticorpos são usados em testes como esses é que eles são extremamente exigentes quanto ao que se ligam", disse.
Como identificar quando um teste rápido dá falso positivo
De acordo com Lorch, a explicação mais provável é que algo nas bebidas afete a função dos anticorpos. E, em sua análise, esse algo é a acidez dos líquidos usados para "enganar" o teste.
"Uma variedade de fluidos, de suco de fruta ao refrigerante de cola, tem sido usada para enganar os testes, mas todos eles têm uma coisa em comum — são altamente ácidos. O ácido cítrico no suco de laranja, o ácido fosfórico na cola e o ácido málico no suco de maçã dão a essas bebidas um pH entre 2,5 e 4. Essas são condições bastante adversas para os anticorpos, que evoluíram para atuar amplamente na corrente sanguínea, com seu pH quase neutro de cerca de 7,4", acrescentou. "Portanto, uma explicação provável é que os anticorpos imobilizados na linha T aderem diretamente às partículas de ouro à medida que passam, produzindo o notório resultado falso positivo induzido pela cola".
Diante do funcionamento apropriado do próprio teste rápido, o professor realizou um experimento para descobrir quando há um falso positivo como o que alguns adolescentes fizeram. Assim, ele ele verificou que "os anticorpos, como a maioria das proteínas, são capazes de redobrar e recuperar sua função quando retornam a condições mais favoráveis".
"Então tentei lavar um teste que tinha pingado cola com solução tampão, e com certeza os anticorpos imobilizados na linha T recuperaram a função normal e liberaram as partículas de ouro, revelando o verdadeiro resultado negativo do teste".
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