Neste país complexo, o Rio Grande do Sul é dos estados mais peculiares. Praticamente ingovernável. Mas a atual gestão faz escola.
A história tem peso. O passado parece ter forjado uma sociedade pouco coesa em seu conjunto e inclinada a polarizações. A presença portuguesa só vingou com a chegada da família real, depois de muitas disputas com espanhóis. O estado foi palco de várias revoltas.
A mais lembrada é a Guerra dos Farrapos, um movimento separatista, mas houve outras tantas disputas internas (e sangrentas) entre facções.
Compõe esse quadro a heterogeneidade cultural – ao mesmo tempo uma benção e um desafio. O gaúcho era mestiço de índio, português, espanhol e africano. A imigração europeia no século 19 tornou a sociedade mais complexa.
Trazendo para os dias de hoje, não seria coincidência que governadores enfrentem tantas dificuldades para governar e não consigam se reeleger. Construir consensos para aprovar reformas é bastante desafiador e muitos comprometeram a higidez das contas públicas, possivelmente no anseio de agradar a muitos – uma postura que acaba alimentando demandas oportunistas de grupos organizados, corroendo o orçamento público.
Outra característica é a elevada judicialização. Há alta incidência do RS nas ações no STF, ponderando pelo tamanho da população, devido à própria litigiosidade nas instâncias anteriores.
O atual governo recebeu um estado quebrado, com 57 meses de atraso no pagamento da folha e bombas relógio a explodir.
A razão entre funcionários ativos (128 mil) e inativos e pensionistas (209 mil) é a mais elevada no Brasil (dados de 2019), sendo que 80% dos vínculos são na educação e na segurança, que contam com regras mais generosas para aposentadoria.
Enquanto o número de ativos encolhe, prejudicando a administração pública, o de inativos só faz crescer – a idade média do funcionalismo é de 51 anos –, pressionando os gastos com Previdência.
Ao longo dos últimos anos, os governos fizeram uso de expedientes inadequados para tentar fechar as contas: saques de depósitos judiciais e do caixa único (com recursos de órgãos e demais poderes). Totalizaram R$19 bilhões e precisam ser devolvidos.
Houve também sensível piora dos indicadores de educação na última década. A 4ª maior renda per capita do País está no 12º lugar no ranking de educação. Isso apesar do legado histórico: a imigração europeia e a menor desigualdade na distribuição de terras resultaram em maiores gastos com educação no passado, segundo pesquisas acadêmicas.
A gestão Eduardo Leite marca uma inflexão. Sem demonizar governos anteriores, segue um roteiro pouco usual na política brasileira: faz diagnóstico dos problemas com base em evidências e dados, comunica a sociedade, apresenta as propostas de reforma e, com diálogo, negocia sua aprovação.
Em pouco tempo, conduziu a mais completa reforma da Previdência do País e um conjunto amplo de reformas administrativas - com emendas à constituição e projetos de lei. Foram incluídos os atuais servidores, inclusive magistério e militares, visando a conter o crescimento vegetativo da folha e promover a eficiência da máquina pública. Avança paulatinamente na ampla agenda de privatizações e concessões.
Já colheu frutos em 2020, como a eliminação do atraso na folha e sua redução (-3,8% em termos reais), e o menor déficit previdenciário.
O PIB do primeiro trimestre cresceu 4% na variação anual, acima da média nacional de 1,2%.
Tudo somado, a Pesquisa Atlas apontou aprovação do governo em 47,2% em abril.
Os desafios são grandes. O estado ainda recorre a liminares do STF para suspender o pagamento de dívida ao Tesouro, que acumula R$12 bilhões de atraso. A ambiciosa reforma tributária, que prevê redução de isenções, está atrasada.
Na educação, houve avanço nos indicadores do ensino médio, mas menos nos demais níveis e insuficiente para cumprir as metas.
Os gestos políticos do governador são simbólicos. Convidou toda a bancada federal gaúcha para a cerimônia de entrega de viaturas e equipamentos de segurança para as polícias, por terem viabilizado as emendas parlamentares para sua aquisição.
Com valores republicanos e democráticos, sua habilidade política ganha mais importância na crise atual. Sem isso, grupos organizados bloqueiam reformas em meio à apatia da sociedade.
A democracia ganha com a competição na política. Com diversidade, melhor ainda.
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