Em reunião na Casa Branca, Biden e Merkel trocam palavras de amizade, mas expõem divergências sobre Rússia e China

WASHINGTON — Naquela que deve ser a última visita de Angela Merkel à Casa Branca como chanceler alemã, ela e o presidente Joe Biden buscaram passar a ideia de união entre duas das maiores potências econômicas do planeta, mas destacando suas divergências em temas estratégicos, como a Rússia e a China.

Depois de um encontro de trabalho à tarde, quando os dois acertaram uma declaração que abrange posições conjuntas sobre mudanças climáticas, economia e política externa, Biden abriu a entrevista coletiva tecendo longos elogios à chanceler e lembrando dos laços que a líder possui com os EUA. Merkel deixará o cargo depois das eleições gerais de setembro.

— Não somos apenas parceiros e aliados, mas também amigos muito próximos — afirmou Biden. — Em um comentário pessoal, vou sentir falta de encontrá-la nas reuniões de cúpula. Muito obrigado, Angela, por sua amizade.

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No encontro, o presidente americano também anunciou o lançamento de um fórum bilateral entre EUA e Alemanha, formado por especialistas em diversos campos para “moldar nosso futuro compartilhado”.

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A visita foi a 23ª da chanceler alemã a Washington desde que assumiu o posto em 2005, e Biden o quarto presidente com quem ela se encontrou — cada um com seu próprio nível de afinidade ou antagonismo. Em George W. Bush (2001-2009) despertou admiração por sua trajetória política até chegar ao posto de “líder do mundo livre”. Com Barack Obama (2009-2017), uma relação tranquila foi abalada pela descoberta de que o telefone da chanceler estava grampeado pelos serviços de inteligência dos EUA. Com Trump (2017-2021), um diálogo virtualmente impossível e que incluiu divergências públicas.

Apesar da recepção amistosa com Biden, que destacou a contribuição da chanceler “para uma Alemanha livre e democrática”, a visita teve seu lado espinhoso. Merkel, assim como outras lideranças europeias, acredita ser necessária uma linguagem diplomática própria do continente, evitando seguir todas as posições dos EUA — uma lição aprendida de maneira dura com Trump, quando os aliados tradicionais foram deixados de lado pelo republicano.

Competidor

Uma das divergências surge sobre a China, principal parceira econômica da União Europeia e apontada por Biden como prioridade de sua política externa, colocando Pequim como um “competidor” global e trabalhando para a construção de uma frente para conter a influência do país, baseada em “valores universais”, como a democracia.

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Muito embora concorde com as acusações de abusos dos direitos humanos em Hong Kong e Xinjiang, e veja com preocupação a situação em Taiwan, Merkel defende uma abordagem mais pragmática, sem medidas extremas, como o banimento de certas empresas de tecnologia chinesas de solo americano.

— Nós falamos sobre a China, e há o entendimento mútuo de que a China, em muitas áreas, é nosso competidor, e o comércio com a China precisa ser baseado na compreensão de que temos um campo de jogo igual, e de que jogamos pelas mesmas regras — afirmou Merkel. A Alemanha é uma das maiores defensoras de um grande acordo de investimentos entre a União Europeia e Pequim, que está travado há meses por questões políticas.

Adversário

Há ainda arestas sobre a Rússia — Biden considera Moscou um “adversário” global, que precisa ser contido em diversos cenários. O novo presidente manteve o expediente das sanções econômicas, agora aplicadas em casos como da repressão a oposicionistas, incluindo Alexei Navalny, envenenado em agosto do ano passado e preso desde janeiro na Rússia, e não descartou novas medidas.

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Merkel também pressiona o governo russo sobre questões relacionadas aos direitos humanos, mas segue uma agenda própria, que não necessariamente é igual à do Departamento de Estado, incluindo um plano para retomar o diálogo direto com o Kremlin, proposta barrada por outras nações do bloco.

O exemplo mais emblemático dessa postura é o gasoduto Nord Stream 2, que levará diretamente o gás natural da Rússia para a Alemanha através do Mar Báltico, evitando a tradicional rota que passa pelos países do Leste Europeu.

Merkel considera a obra, que deve começar a funcionar plenamente em algumas semanas, como crucial para sua política energética, ampliando o volume de gás que chega aos consumidores. O tema é polêmico dentro da União Europeia e mesmo da Alemanha, com discursos apontando impactos ambientais do projeto e sugerindo que a obra seja suspensa para punir o Kremlin por conta de episódios como a prisão de Navalny e dezenas de rivais de Vladimir Putin.

— Nós temos diferentes formas de ver o que esse projeto significa — afirmou Merkel, se referindo às objeções de Washington ao gasoduto, ao mesmo tempo em que garante o apoio de Berlim à sua conclusão.

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Os EUA consideram o Nord Stream 2 uma ferramenta política da Rússia que, para Washington, poderá ser usada para “chantagear” os europeus e para punir os países do Leste do continente, como a Ucrânia, lhes negando os milhões de dólares pagos pelo trânsito do gás em seus territórios.

— Ao mesmo tempo em que reiterei minhas questões sobre o Nord Stream 2, a chanceler Merkel e eu temos a opinião de que a Rússia não pode usar a energia como uma arma para coagir e ameaçar seus vizinhos — declarou Biden. — Continuaremos a defender os aliados da Otan no Leste [europeu] contra agressões vindas da Rússia.

Há ainda uma razão econômica: os americanos querem ampliar as vendas de gás liquefeito de petróleo para a Europa, algo que fica prejudicado com o Nord Stream 2 e o subsequente aumento de oferta do produto dos poços russos.

No começo de seu mandato, Biden chegou a suspender um pacote de sanções aplicadas à obra, mas sem abandonar sua oposição ao projeto.

— Bons amigos podem discordar. Quando cheguei à Presidência, a obra estava praticamente pronta e impor sanções já não fazia sentido — afirmou.

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