Lucas Marchesini e Thiago Resende
Brasília, DF
A distribuição das emendas parlamentares para a área social tem privilegiado estados aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) e não tem seguido um critério de pobreza.
A assimetria na divisão das emendas de relator no ano eleitoral é mais evidente no Nordeste, região onde ficam as dez cidades mais pobres do país.
Dos 5 estados que mais receberam recursos por habitante em 2022, apenas 2 são da região: Alagoas, reduto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e Piauí, do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP).
Outros estados, como Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, que também estão entre os mais pobres do país, ficaram no fim da lista de beneficiados —atrás, até mesmo, dos três da região Sul.
As comparações levam em consideração o número de habitantes em cada local.
Esses cinco estados do Nordeste são governados por desafetos de Bolsonaro, inclusive Alagoas e Piauí. Mas o dinheiro enviado a esses dois estados foi apadrinhado por aliados de Lira e Ciro Nogueira.
As emendas via Ministério da Cidadania foram destinadas principalmente para reformas e obras em locais de atendimento à população de baixa renda ou compra de equipamentos para esses centros, além de recursos para esporte e agricultura familiar.
Duas cidades do Nordeste podem ser usadas como exemplo da distorção: Roteiro, em Alagoas, e Cacimbas, na Paraíba.
Elas são as duas mais pobres do país, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, que utiliza dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Roteiro entrou na lista das emendas. Cacimbas, não.
A liberação da verba para a cidade alagoana foi pedida por um secretário do prefeito Alysson Reis. O valor é de R$ 336,5 mil.
Neste ano, parlamentares governistas e próximos à cúpula do Legislativo têm usado uma brecha nas regras do Congresso para destinar emendas a suas bases eleitorais sem revelar o padrinho político do recurso. Para isso, elas são registradas por um usuário externo, que pode ser qualquer pessoa.
Responsável pela liberação das emendas, o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse à Folha que quer divulgar, após as eleições, uma lista com o parlamentar responsável pelo apadrinhamento de todos os recursos, o que incluiria mostrar quem está por trás dos usuários externos.
O prefeito Alysson Reis também é do PP e é próximo de Lira.
"Arthur tem sido um gigante na nossa gestão e tem nos ajudado a evoluir e avançar cada vez mais com serviços prestados na nossa cidade, como saneamento, calçamento, máquinas, poços artesianos, como emendas para nossa saúde", disse o prefeito em vídeo gravado em março deste ano.
A emenda destinada a Roteiro tem o objetivo de mitigar danos provocados pelas chuvas e enchentes em Alagoas. A tabela com recursos liberados pelas emendas de relator deste ano não indica outras cidades no Nordeste atendidas por causa das chuvas.
Cacimbas, na Paraíba, entrou em estado de emergência no fim do ano passado e em abril de 2022. O motivo foi a estiagem, mas a cidade não foi beneficiada com recursos para a área social.
O prefeito Nilton de Almeida (PSDB) defende a reeleição do governador João Azevêdo (PSB), desafeto de Bolsonaro. O presidente da República apoia Nilvan Ferreira (PL).
Alagoas entrou no topo da lista de destino de recursos da área social por intermédio de outros aliados do governo.
Entre os padrinhos das emendas estão o deputado Marx Beltrão (PP), o senador Fernando Collor (PTB), que é próximo de Bolsonaro, e Rodrigo Cunha (União Brasil), que se licenciou do Senado para concorrer ao governo estadual —e conta com o apoio de Lira.
As emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões no Orçamento e são hoje o principal mecanismo para garantir apoio político para o presidente Jair Bolsonaro no Legislativo.
A distribuição dessas emendas depende de acordos costurados entre o relator da lei orçamentária, Lira e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A emenda de relator é um tipo de recurso que foi incluído no Orçamento de 2020 pelo Congresso, que passou a ter controle de quase o dobro da verba de anos anteriores.
Os estados que mais receberam verba social por habitante foram Amazonas e Roraima. Ambos são governados por políticos alinhados a Bolsonaro.
Em Roraima, depois da capital Boa Vista, a campeã de emendas foi Iracema, que tem cerca de 10 mil habitantes e recebeu R$ 8,5 milhões. Há um Cras (Centro de Referência de Assistência Social) na cidade, mas R$ 2 milhões do total de emendas foram enviados para construir um novo Cras no município.
De acordo com pessoas que trabalham no Cras já existente, que falaram reservadamente com a Folha, não há a necessidade de um novo estabelecimento.
Há dois problemas mais urgentes. O menor é a compra de um carro 4x4, por conta da má qualidade das estradas na região. Há uma emenda reservada no valor de R$ 1 milhão para a compra de equipamentos, mas não é possível afirmar se ela será usada para adquirir um veículo do tipo.
O maior problema é a falta de pessoal. Os relatos feitos à Folha indicam que o repasse do governo federal para o pagamento de funcionários caiu 60%, rombo que até o momento foi coberto pela prefeitura.
O Piauí também recebeu mais que a média de outros estados. As cidades piauienses foram abastecidas por emendas de pessoas próximas a Ciro Nogueira. É o caso do senador Elmano Férrer (PP) e do prefeito de Campo Maior, Joãozinho Félix (MDB).
As sete emendas com mais dinheiro para a área social no estado estão em nome de Férrer e Félix, que teve o apoio do ministro da Casa Civil na campanha à eleição de prefeito. Cada um indicou pelo menos R$ 2 milhões em emendas.
Em março de 2022, Félix escreveu nas redes sociais: "Ministro Ciro Nogueira trabalha mais um pacote de investimentos que vai nos permitir construir mais calçamento, revitalizar estradas, adquirir equipamentos, e custeios para fortalecer a saúde, além de emendas para realização de diversas obras em nossa cidade, incluindo asfaltamento de ruas".
Os recursos para Campo Maior também são voltados para o sistema de atendimento ao público que necessita de assistência social.
Procurados, o Ministério da Cidadania e as prefeituras de Campo Maior, Iracema e Roteiro não responderam a questionamentos feitos pela Folha.
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