Mesmo sem haver um retorno generalizado de aulas no Brasil, o tempo de fechamento de escolas por causa da pandemia de coronavírus já é maior por aqui do que na média dos países ricos. A suspensão das atividades escolares terá impacto na economia global, indica relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
A organização divulgou nesta terça-feira (8) a edição de 2020 do relatório Education at a Glance (educação num relance). Neste ano, o estudo contempla um capítulo especial sobre os desdobramentos da pandemia.
O documento relaciona a interrupção das aulas com o acúmulo de perda de habilidades e o reflexo na produtividade. Os efeitos econômicos do gap educacional serão sentidos ao longo de décadas, segundo a OCDE.
"Como a perda do aprendizado reflete em perdas de habilidades, isso reflete na produtividade. O impacto relativo sobre o PIB pode ser de 1,5% em média até o final do século", diz o texto, ancorado em regressões históricas de crescimento para estimar o impacto de longo prazo de uma perda aproximada de 1/3 de ano de estudos para os estudantes.
A expectativa é que a economia global encolha ao menos 6% em 2020. A economia brasileira registrou retração de 9,7% no segundo trimestre de 2020 e as projeções de mercado para o ano são de queda de 5,28%.
A OCDE pontua que a reabertura de escolas e universidades trará "benefícios inquestionáveis aos estudantes, à economia e às famílias", mas pondera que esses benefícios "precisam ser cuidadosamente ponderados com os riscos à saúde" e à necessidade de contenção da pandemia.
A organização ressalta a necessidade de coordenação entre autoridades educacionais e de saúde nos diferentes níveis governamentais.
No Brasil, o MEC (Ministério da Educação) tem sido ausente na articulação nacional sobre manutenção de atividades educacionais neste período. Também tem participação tímida na determinação de protocolos para o retorno às aulas presenciais.
Os jovens menos qualificados serão os mais afetados, o que deve aumentar ainda mais a desigualdade dentro de um país e entre os diferentes países, afirmou o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, no lançamento do trabalho.
Segundo o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, o estudo reforça conclusões de que a pandemia tende a aumentar a desigualdade, com efeitos piores para os estudantes mais vulneráveis.
"Mas o nosso agravante não é a Covid, é a baixa coordenação da politica educacional que, sob um cenário desafiador, solicitaria mais coordenação, sobretudo do governo federal", diz.
Segundo ele, quem comanda "a dança" para a volta das aulas é a área da saúde, mas a qualidade disso depende da educação. Isso depende, diz ele, de protocolos claros para o interior das escolas (que sejam elaborados, comunicados e tenham condições de sair do papel), análise localizada da realidade das escolas e dos professores, e também de uma atuação intersetorial (com saúde, assistência social).
"Como os que mais sofrem com ausência de aula são os mais vulneráveis, as condições das escolas, viabilizadas pela secretarias de Educação, podem aumentar as possibilidades de mitigação. A escola precisa ter mais ação afirmativa do que sempre teve até hoje", diz.
O Education at a Glance compara dados de 46 países -além dos 38 membros da OCDE, são analisadas informações do Brasil, China, Rússia, Índia, Indonésia, Argentina, Arábia Saudita e África do Sul.
O Brasil tem um contexto mais desafiador para a reabertura. Até o fim de junho, o país já acumulava 16 semanas de interrupção de aulas, contra uma média de 14 semanas nos países da OCDE.
No começo de setembro, só 8 dos 46 países avaliados pela entidade ainda estavam com as aulas suspensas por causa da pandemia de coronavírus. O Chile, por exemplo, registra 15 semanas.
O impacto real em alguns países, diz o documento, pode ter sido menos severo pela capacidade de manter aulas regulares durante o período. Também há ponderações com relação ao calendário escolar no momento em que a pandemia atingiu cada país.
No Brasil, a desigualdade provoca maiores preocupações.
Um em cada cinco (19,1%) estudantes de 6 a 29 anos não teve nenhum tipo de atividade escolar no mês de julho, segundo dados divulgados em agosto pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apenas 8,9% dos estudantes estavam de férias naquele mês.
O estudo indica que a quantidade de alunos por sala é um dos "parâmetros críticos" para a reabertura, devido à necessidade de garantir distanciamento social. No Brasil, esse contexto é mais desafiador.
Entre 32 nações com dados disponíveis, o Brasil tem o décimo maior número de alunos por classe até o 5º ano do ensino fundamental (anos iniciais) e o sexto maior número de estudantes por turma no estágio que vai do 6º ao 9º ano (anos finais).
Nos dois casos, o país está acima da média dos 32 analisados. Nas escolas brasileiras, há 23 alunos em média por turma nos anos iniciais do fundamental, quase 10% acima da média, que é de 21 estudantes por turma.
Nos anos finais do ensino fundamental, o tamanho da turma brasileira é na média de 27 alunos, número 17% maior que os 23 da média.
Ainda de acordo com os dados compilados pela OCDE, as escolas públicas devem enfrentar mais dificuldades na adaptação necessária para retomar aulas com segurança, porque as turmas são, em média, maiores. No ensino público, são 24 estudantes por classe nos anos iniciais e 28, nos finais.
A reabertura de escolas no contexto da pandemia está atrelada à capacidade de manter uma distância de segurança de um a dois metros entre estudantes e equipe escolar. Assim, a redução do tamanho de salas depende de outros fatores, como espaço físico, disponibilidade de salas e de equipe, exemplifica o relatório, o que atinge o Brasil de forma desigual.
A organização aponta também o risco de uma redução dos investimentos públicos em educação, principalmente nos países com maior restrição orçamentária (dos quais o Brasil faz parte).
Nota técnica da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) e Campanha Nacional pelo Direito à Educação projeta uma perda de R$ 52,4 bilhões dos recursos da educação de estados e municípios neste ano. O governo Jair Bolsonaro não criou uma linha específica de financiamento para o enfrentamento dos reflexos da pandemia na educação.
O país também deve ser um dos mais afetados na internacionalização do ensino superior, já que integra a lista de países de maior risco de contágio pelo novo coronavírus, o que dificulta viagens de brasileiros ao exterior.
Segundo a OCDE, o desemprego também deve ser uma área em que pandemia e nível de educação terão impacto relevante. "Aqueles com menor nível de escolaridade são os mais vulneráveis, pois são os mais improváveis de se beneficiarem do trabalho remoto", afirma o relatório.
Em 2019, antes da pandemia, 14% dos jovens adultos sem ensino médio completo estavam desempregados no Brasil, enquanto a taxa de desemprego dos que tinham ensino superior era de 8%.
No rescaldo da crise financeira de 2008, o desemprego de jovens adultos sem ensino médio aumentou em 1,5 ponto percentual entre 2008 e 2009 no Brasil, enquanto o dos com ensino superior subiu 0,2 ponto percentual.
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