Em carta na Science, pesquisadores ligam queimadas e desmatamento na Amazônia a grandes e médios fazendeiros

BRASÍLIA — Em carta publicada no site da revista Science, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Estocolmo alertam que, ao contrário do que órgãos e agentes do governo federal vêm afirmando, parte significativa das queimadas e do desmatamento na Amazônia entre 2019 e 2020 está ligada a médios e grandes fazendeiros e não a pequenos agricultores.

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A carta é assinada pelos pesquisadores Ana Paula de Aguiar, Raoni Rajão e Francisco Bezerra. Eles analisaram dados do sistema de monitoramento de queimadas, do Deter (que detecta desmatamento em tempo real) e do Prodes (que faz análise do desmatamento ao longo do ano inteiro), todos do Inpe.

O estudo constatou que, em 2019, 52% de todos os focos de calor detectados em propriedades registradas pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) na Amazônia ocorreram fazendas de médias e grandes proporções.

E concluiu ainda que 67% de todos os alertas de desmatamento detectados pelo Deter entre agosto de 2019 e julho de 2020 também ocorreram em propriedades de médio e grande portes.

Segundo a carta, os dados contradizem a tese de que as queimadas e desmatamentos registrados nos últimos dois anos são resultado da ação de pequenos agricultores.

“Todas essas evidências minam qualquer tentativa de ligar as queimadas recentes e o desmatamento às práticas de pequenos produtores em áreas consolidadas. Certamente existem diferentes tipos de queimadas na Amazônia, mas os que estamos testemunhando agora estão em grande parte ligados a apropriação e desmatamento em grande escala”, diz o documento.

Embrapa responsabilizou pequenos produtores

A tentativa de vincular as queimadas e o desmatamento observados na Amazônia nos últimos anos à ação de pequenos agricultores vem ocorrendo desde 2019. Em julho deste ano, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgou uma nota técnica responsabilizando a ação de pequenos produtores pela maior parte dos incêndios na Amazônia em 2019.

Nesta semana, a tese foi reforçada por membros do governo como o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e pelo vice-presidente, Hamilton Mourão. Os dois compartilharam um vídeo produzido pela Associação de Criadores do Pará com o título “A Amazônia não está queimando”.

O vídeo cita dados da Embrapa para defender a tese de que a maior parte das queimadas registradas na Amazônia seriam resultado da ação de pequenos produtores e até mesmo de comunidades tradicionais como povos indígenas.

A carta dos pesquisadores foi publicada no site da revista Science. Diferentemente de um artigo científico convencional, ele não passou pelo sistema de revisão do corpo editorial da publicação ou de outros pesquisadores. Apesar disso, a metodologia e os dados que deram base ao documento estão disponíveis na internet para que outros pesquisadores possam checar a validade dos achados.

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