Em meio a ameaças de golpe militar, Nobel da Paz e presidente de Mianmar são presos

NAYPYITAW — As Forças Armadas de Mianmar prenderam uma série de integrantes do governo civil, incluindo o presidente Win Myint e a Nobel da Paz e líder de fato do país, Aung Saan Suu Kyi, no que é tratado como uma tentativa de golpe militar por observadores e analistas. As detenções, que também incluíram vários ministros, foi confirmada pelo partido do governo, e ocorre em meio a questionamentos dos militares sobre os resultados das eleições de novembro.

Ao revelar as prisões, o porta-voz da Liga Nacional pela Democracia afirmou à agência Reuters que eles foram levados no começo da manhã, sem detalhar possíveis motivações. Ele ainda pediu que não haja reação violenta por parte da população.

— Quero pedir ao nosso povo que não aja de maneira dura, e quero que ajam de acordo com a Lei — declarou Myo Nyunt, dizendo ainda esperar que ele mesmo seja preso nas próximas horas. — Com situação que está acontecendo agora, temos que assumir que os militares estão realizando um golpe.

A TV estatal declarou, em publicação no Facebook, que problemas técnicos impedem suas transmissões. Há relatos ainda de dificuldades para fazer ligações telefônicas do exterior ao país.

Os militares ainda não se pronunciaram. Mais cedo, grupos nacionalistas de oposição marcharam pelas ruas de cidades de todo o país, e bandeiras da Liga foram queimadas em alguns dos atos.

Na votação, vencida de maneira ampla pela Liga Nacional pela Democracia, de Suu Kyi, os militares relataram a ocorrência de milhares ee casos de fraudes, o que jamais foi confirmado pelas autoridades eleitorais. A votação deu à Liga o controle de 396 dos 476 assentos do Parlamento, enquanto o Partido da União Solidária e Desenvolvimento, apoiado pelas Forças Armadas, ficou com apenas 33. A Casa começaria os trabalhos nesta segunda-feira.

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Os rumores de que um golpe era cada vez mais possível se amplificaram na semana passada, quando o comandante das Forças Armadas, general Min Aung Hlaing, declarou que a Constituição poderia ser revogada caso considerassem que ela não estava sendo "propriamente cumprida". Os militares refutaram as acusações no sábado, dizendo que as declarações de Hlaing foram tiradas de contexto pela imprensa e diplomatas ocidentais.

Mesmo assim, a presença ostensiva de veículos militares nas ruas chamou a atenção, e colaborou para reforçar a ideia de que uma ação era iminente. Na sexta-feira, representantes de países como os EUA, Austrália e Reino Unido, além da União Europeia, pediram a todos os lados que mantenham a calma, sob o risco de abalar a transição democrática.

Em 2019: Corte Internacional de Justiça começa a julgar caso de genocídio em Mianmar

Mianmar foi comandada por uma junta militar por cinco décadas, até o início de uma transição rumo à democracia iniciada em 2010 e que contou com a participação de Aung Saan Suu Kyi, vencedora do Nobel da Paz e que hoje atua como a líder de fato do país, se sobrepondo politicamente ao presidente. Ao mesmo tempo, as Forças Armadas mantiveram uma importante parcela no poder do país asiático. Eles mantém, por exemplo, um quarto dos assentos no Parlamento, além de cargos importantes no Gabinete ministerial.

Ao mesmo tempo, parte da população e da opinião pública internacional se mostrou decepcionada com a forma como a Liga vem conduzindo o processo de transição democrática, em especial sobre o papel de Aung Saan Suu Kyi. Apontada como ícone da defesa da democracia durante o regime militar, quando passou alguns anos em prisão domiciliar, ela rapidamente adotou posições questionáveis, como na situação da minoria rohingya, alvo de uma violenta campanha de repressão apontada como um caso de genocídio por organizações internacionais.

Em 2019, ela compareceu à Corte Internacional de Justiça, em Haia, para defender o país e o seu governo das acusações de massacrar a minoria, que é muçulmana, e provocar o êxodo de 730 mil pessoas rumo ao vizinho Bangladesh.

— A Justiça internacional resistiu à tentação de usar essa classificação legal porque a expecífica intenção de destruir o grupo em questão de forma completa ou parcial não estava presente — declarou à época, em Haia. Apesar de reconhecer a possibilidade de "excessos", disse que não havia a perseguição específica a um grupo.

Nos últimos anos, ela perdeu o prestígio que tinha no cenário internacional, inclusive perdendo alguns dos muitos títulos recebidos de organizações como a Anistia Internacional. Em 2018, a Comissão Norueguesa do Nobel, responsável pelo Nobel da Paz, rejeitou a retirada da honraria dada à líder birmanesa.

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